Crítica do filme Dora e a Cidade Perdida | Compromisso apenas com a diversão

Se a gente analisar bem, todo desenho animado é esquisito. “Dora, A Aventureira”, não é diferente, pois chama atenção por interagir diretamente com a audiência durante os episódios do desenho, ensinar os pequenos a falar outras línguas e contar curiosidades sobre seu universo.

Dora costuma se aventurar pela selva, resolvendo enigmas juntamente com objetos variados que falam e tem um rosto, como a Mochila e o Mapa, além de seu melhor amigo, o macaquinho Botas. Tudo isso é bastante aceitável em um programa infantil, mas dificilmente funcionaria em um filme, certo?

Felizmente, todos os envolvidos na produção de “Dora e a Cidade Perdida” sabiam exatamente onde estavam se metendo, integrando todos os elementos absurdos e abraçando a esquisitice sem medo de ser feliz, e o resultado é estranhamente divertido!

Interagindo em outras línguas

“Dora e a Cidade Perdida” é dirigido por James Bobin e a trama acontece dez anos após o desenho já citado. Tendo passado a maior parte de sua vida explorando a floresta com seus pais, nada poderia preparar Dora (Isabela Moner) para a aventura mais perigosa de todos os tempos - o ensino médio.

A aventureira Dora rapidamente se vê liderando o macaco Botas, o primo Diego (Jeff Wahlberg), o esquisito Randy (Nicholas Coombe) e a estressada Sammy (Madeleine Madden), além do professor de línguas mortas Alejandro (Eugenio Derbez) em uma busca para encontrar a cidade de Parapata, assim como seus pais (Eva Longoria, Michael Peña).

Abraçando todas as peculiaridades do consagrado desenho, muitas vezes você vai achar que Dora sofre de esquizofrenia, mas a verdade é que é tudo pela diversão e quando você aceitar isso vai achar tudo bem mais engraçado.

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Acredito que seja essa a forma que as crianças enxergam, o personagem pode sim falar diretamente conosco e não há nada de errado nisso. Há também entretenimento para os pais que são obrigados a assistirem ao filme, apesar da classificação etária ser focada nos pequenos. 

Raposo, não pegue!

“Dora e a Cidade Perdida” é bastante descompromissado e claramente não tinha pretensão em mostra realismo algum. O Raposo (dublado por Benicio del Toro) foi criado com computação gráfica, mas sua participação é tão pequena que serve mais como uma referência ao material original do que um elemento relevante para o filme.

Por outro lado, o macaco Botas (também CG) rouba a cena em todos os momentos em que aparece, principalmente em uma das cenas em que interage apenas com Dora, mas não vou detalhar para não dar spoiler. Depois de alguns minutos de filme é fácil suspender a crença e apenas aceitar que a criança sai pro mato sozinho e fala com as coisas e com os animais, é tudo pela diversão!

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Infelizmente, a maioria das piadas funciona melhor na versão original. A dublagem não chega a ser ruim mas claramente faltou um trabalho a mais para adaptar os diálogos, nada que vá atrapalhar a experiência, mas claramente o filme é focado no público norte-americano.

 Você pode dizer “neurotoxicidade extrema”?

Não apenas por ser a personagem do título, mas Isabela Moner é a alma do filme. As chances de ser apenas uma personagem irritante e meio boba eram bem altas, mas o jeito inocente e alto astral de Dora combinam totalmente com a atriz. Até mesmo quando ela começa a cantar e dançar (algo que ninguém gosta, dentro e fora do filme), parece natural e não apenas estúpido.

“Dora e a Cidade Perdida”  é repleto de mensagens positivas: seja quem você é, cuide do meio ambiente, respeite as diferenças dos amigos, aprenda quantas línguas puder e preste atenção nas aulas, pois nunca se sabe quando você vai precisar resolver enigmas numa floresta.

Se todas as adaptações tentassem ser divertidas e atualizadas como “Dora”, certamente não teríamos tantos fracassos de bilheteria na indústria, além de infinitas sequências para franquias que já deveriam ter acabado faz tempo.

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Para qualquer um que já viu “Dora, a Aventureira” e para quem apenas tem uma curiosidade irresistível, certamente o filme será um ótimo investimento de tempo, se considerar que é feito para o público infantil e não tem o menor compromisso com a realidade.

Listas | Relembre, relembre, filmes revolucionários em todo novembro

"Lembrai, lembrai do 5 de novembro
A pólvora, a traição e o ardil
Por isso não vejo porque esquecer
Uma traição de pólvora tão vil
Guy Fawkes,Guy Fawkes, esta era sua intenção
Explodir o rei e o Parlamento
Três montes de barris de polvora abaixo
Para derrubar a pobre Inglaterra
Pela providencia divina foi capturado
  Com uma lanterna escura e um fósforo
    Halloa boys, Halloa boys, façam os sinos tocar
Halloa boys, Halloa boys, Deus salve o Rei
Hip hip Horray"

Pois a gente não esqueceu do cinco de novembro e não vamos deixar passar a oportunidade de se juntar a revolução. Parafraseando grandes líderes mundias, os Beatles, tem gente que diz que quer uma revolução, mas bem, você sabe, todos nós queremos mudar o mundo, todavia, quem é que tem uma idea real do que deve ser feito.

Para inspirar os revolucionários de amanhã, que tal uma boa seleção de filmes revoltados que não aceitam o status quo. Seja na luta pela independencia nacional, pelo fim do domínio imperialista em uma galáxia muito, muito distânte, ou ainda para  se livrar do controle virtual de máquinas sensientes o importante é não abaixar a cabeça e seguir lutando para fazer a diferença!

Critica do filme Doutor Sono | O Mundo é um lugar faminto

Doutor Sono agrada, mas não encanta. O grande problema do filme é que, por mais injusto que seja, ele deve ser diretamente comparado com as obras de Stephen King e o filme O Iluminado de Stanley Kubrick. A comparação é necessária não apenas por se tratar de uma sequencia da história, mas por conta de todas as diferenças da controversa adaptação de Kubrick, até hoje execrada por King e celebrada por cinéfilos. Assim, é necessário antes de qualquer coisa se posicionar como uma sequencia do livro ou do filme, algo que Mike Flanagan não consegue definir ao longo de toda a película.

Caso você seja capaz de olhar para além do clássico talvez Doutor Sono pareça de fato melhor do que realente é. Sem desmerecer o trabalho de Flanagan — que já mostrou capacidade com o gênero na boa adaptação de Jogo Perigoso e no excelente A Maldição da Residência Hill — ele não é nenhum Kubrick e suas escolhas empurram o filme mais a aventura fantástica do que para o suspense sobrenatural.

De maneira encapsulada, Doutor Sono é interessante, mesmo que não acerte em cheio os fãs de terror. A história de King cria uma mitologia própria ao mesmo tempo em que revisita os demônios exorcizados em O Iluminado. O filme acerta o ritmo, mas perde boas chances de se tonar algo maior. Com pouco mais de duas horas e meia é um filme se mantém ágil, mas sem apresentar muito conteúdo.

No final, ficamos com a sensação de que, seja em seu formato literário, ou como uma grande adaptação cinematográfica hollywoodiana, O Iluminado não precisava de uma continuação.

Fantasmas do passado

Após os acontecimentos do Hotel Overlook, Danny Torrance e sua mãe se mudam para Flórida, mas os fantasmas seguem atormentando o garoto. Até que o espírito de Dick Hallorann surge para ensinar Danny a utilizar seus poderes psíquicos para conter as assombrações. Nesse tempo, somos apresentados a Rose Cartola a líder do Verdadeiro Nó, uma guilda de seres quase-imortais que se alimentam da essência de pessoas “iluminadas” como Danny.

Quase trinta anos se passaram desde a morte de seu pai Jack no hotel Overllok, mas Danny ainda sofre com outros fantasmas do passado, o legado de alcoolismo e temperamento violento de seu pai. Tentando fugir desses demônios pessoais, Danny vaga pelo interior dos Estados Unidos, até o dia em que chega à pequena cidade de Frazier, onde parece encontrar um lugar de paz tanto física e emocionalmente.

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Danny trabalha em uma clínica de cuidados paliativos, onde utiliza seus poderes para ajudar pacientes terminais a morrer em paz com tranquilidade, quando descobre a existência de Abra Stone, uma garotinha “iluminada” que mantém contato psíquico com ele.

O que era apenas uma “amizade a distância” é forçada quando Rosie e o Verdadeiro Nó descobrem a existência de Abra e, atraídos pelo tremendo poder da garota, começam uma caçada sobrenatural para consumir a essência dela.

A trama possui vários elementos interessantes e o trabalho de Flanagan torna tudo muito ágil, apenas do filme rodar por mais de duas horas e meia. O problema aqui é que, mesmo com todo esse tempo de duração, o filme não consegue explorar os pontos mais interessantes da obra, como os membros do Verdadeiro Nó e, principalmente, o relacionamento de Danny com seu pai.

Um mundo iluminado

Por incrível que pareça Ewan McGregor (Danny Torrence), maior nome da película, não é o grande destaque do filme. Operando em baixa rotação, talvez por escolha criativa do ator para evocar o cansaço mental do personagem, McGregor não brilha tanto quanto suas companheiras de tela, Rebecca Ferguson (Rose Cartola) e Kyliegh Curran (Abra Stone).

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Ferguson que passou a chamar a atenção depois de aparecer nos últimos dois filmes da franquia Missão: Impossível entrega uma personagem intrigante que cativa o espectador apesar de seus atos perversos. Enquanto isso, Kyliegh Curran se destaca com sua confiança (que beira a arrogância) em um equilibro que mistura elementos de ambas as personagens e ainda sim emana inocência.

Sem entrar em detalhes da trama e estragar eventuais surpresas da história, é uma pena que, nem mesmo nos flashbacks, não tenha sido utilizados modelos dos atores originas de O Iluminado, dito isso, Carl Lumbly, Alex Essoe e Henry Thomas fazem um bom trabalho na pele de personagens que foram eternizados por Scatman Crothers, Shelley Duvall e Joe Turkel. Fica também o destaque para ótima cena de Jacob Tremblay que em poucos minutos de cena dá um tom muito mais sinistro a todo o filme, desencadeando toda a trama.

Se a sua estrela não brilha, não tente apagar a minha

A verdade é que Mike Flanagan não faz nada muito errado, mas também não apresenta nenhum acerto sensacional. O filme se desenvolve com relativa agilidade e não se torna enfadonho em nenhum momento — há sempre algo acontecendo na tela para prender a atenção. Alguns truques bem elaborados do diretor, que também assina o roteiro, criam imagens inteligentes para a representação dos poderes psíquicos dos iluminados e do Verdadeiro Nó.

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O problema de Doutor Sono é bem mais simples e impossível de ser contornado, não se trata de um filme de Stanley Kubrik. Além disso, apesar da fala de Flanagan, o filme não se posiciona definitivamente como sequencia do livro ou do filme. É preciso entender as diferenças criativas por trás de cada obra e isso guia sim o desenvolvimento de uma continuação.

Doutor Sono não é ruim, mas não empolga. Falta o tempero kubrickiano e umas pitadas de Nicholson para dar sabor ao filme

King escreve O Iluminado e o descreve como uma de suas obras mais autobiográficas, tendo concebido o livro enquanto ele próprio lutava contra o alcoolismo em um hotel muito similar ao Overlook. Enquanto a produção de Kubrick é tão complexa que existem filmes sobre o filme e seus significados.

Ao tentar agradar ambos os lados o filme peca por não encontrar a sua própria identidade, parecendo algo estéril. Doutor Sono é um bom filme e certamente encontrará um público cativo, mas nunca terá o mesmo apelo que o original.

Crítica do filme Cadê você, Bernadette? | Uma busca incansável

Apesar do título ser bastante revelador, “Cadê você, Bernadette?” de Richard Linklater (Escola de Rock) não é sobre procurar alguém, mas de reencontrar. Inspirado no livro homônimo de Maria Semple, o filme conta a história de Bernadette Fox (Cate Blanchett), uma arquiteta bem sucedida no mercado, que em algum momento da sua vida esqueceu a sua essência. 

De forma muito sutil e sensível, Linklater trabalha duas doenças que estão cada vez mais presente na atualidade: a depressão e ansiedade. Calma! Longe de ser uma história dramática, o filme retrata de forma leve, por vezes um pouco ácida, o que é viver refém de você mesmo. 

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Estamos acostumados com a personalidade excêntrica e singular que grandes artista contem, com Bernadette não é diferente. Desenvolver soluções criativas para resolver um problema sempre foi o que motivou ela a criar. Ícone feminista na arquitetura dos Estados Unidos ganhou os olhares de acadêmicos e profissionais na área. Nesta trilha ascendente, a protagonista resolve dar mais dois passos para o desconhecido: mudar de cidade e gerar uma família. 

Tomada a decisão, Bernadette cria suas raízes (quase literalmente) em Seattle, uma cidade chuvosa no norte do país. Ao contrário de suas grandes realizações arquitetônicas, a sua casa é a mais omissa na vizinhança, que remete a um lugar abandonado e esquecido pelos seus proprietários.  Essa contradição fortalece o conflito que existe internamente e externamente em lidar com mudança ao mesmo tempo que se adapta às adversidades da profissão e familiar.

Sem convívio social ativo e cada vez mais distante do seu marido Elgie Branch (Billy Crudup), que sempre está no trabalho, a sua única amiga é secretária Majula, uma inteligência artificial. Lembrou de Her né?! Pois é, sem ser algo fantasio como na história do escritor solitário Theodor (Joaquim Phonix), Bernadette usa o seu celular para desabafar.

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Este sentimento de solidão e não enxergar o sentido da vida veio à tona com o desejo da sua filha Bee (Emma Nelson) de realizar uma viagem em família para Antártica. As fobias de ter que socializar e perceber que precisa se reconectar com suas paixões criativas faz  com que embarque em uma aventura de autodescoberta. E isso, só seria possível se fosse no continente mais inóspito do planeta Terra.  

Ainda que a protagonista do filme é Bernadette Fox, a história é contada pelo ponto de vista da sua filha adolescente e melhor amiga, a única que compreende as suas ações e a necessidade da sua mãe descobrir quem ela é, ou melhor, o que faz ela ser a Bernadette.

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Diferentemente de uma história triste e com olhar melancólico, Linklater conduz a trama para um lado mais cômico sem deixar de ser aprofundar e de ressaltar amplitude dos problemas psicológicos da protagonista, que ganha destaque com a atuação de Cate Blanchett ao incorporar uma personalidade de uma mãe super amável e desajustada, mas com um vazio em seu peito e dúvidas no olhar. 

Dessa maneira, é visível o esforço do diretor em reforçar a mensagem do conteúdo. Contudo, a sua preocupação em transmitir a história ofusca a sua identidade e assinatura cinematográfica, que ficou tanto em evidência em seu longa Boyhood: Da Infância à Juventude.

Quantas Bernadette você perdeu ao longo do caminho? 

É nessa procura incansável que nós, mulheres, nos identificamos com a personagem. Quantas vezes nos anulamos para dar suporte ao filho ou relacionamento que está ameno? Quantas vezes deixamos de ser prioridades para nós mesmas? É tão fácil não olhar para si mesma, que quando percebemos já estamos cegas a muito tempo. 

Não é um filme de ir em busca de um familiar perdido, mas levar o espectador ao reencontro da personagem Bernadette antes de tudo virar um caos. Uma comédia serena e feminista, mas repleta de sentimentos amarrados com a nossa realidade de ser artista, profissional, esposa, mãe e, principalmente, de ser nós mesma. 

Crítica do filme Link Perdido | Ninguém quer viver sozinho

Indo na contramão dos grandes estúdios de animação e focando no trabalho duro, o estúdio Laika vem desenvolvendo incríveis produções há mais de dez anos, utilizando a consagrada técnica de stopmotion. Apesar de ser bem mais trabalhoso e demorado, é inegável que esteticamente o estilo é inigualável.

Link Perdido” é o quinto título do estúdio, uma comédia com tons de aventura sobre o explorador Sir Lionel Frost (Hugh Jackman), um excelente investigador de mitos e monstros. Porém, nenhum de seus colegas o leva a sério, barrando sua filiação ao clube de caçadores de lendas e desdenhando de seus feitos.

Para finalmente ser aceito, ele decide desafiar o presidente do clube e provar de uma vez por todas que o Elo Perdido entre o homem e o macaco existe, sendo conhecido por muitos nomes em mitologias diversas, entre eles Sasquatch.

Muita paciência e trabalho

Para quem se interessa pelos detalhes técnicos, “Link Perdido” demorou cerca de dois anos para ser produzido, em média apenas um segundo de animação por cada semana de trabalho. Vale a pena conferir o making of para entender como a animação foi desenvolvida e todo o carinho da equipe em criar um experiência única.

Infelizmente, apesar de ser o mais impressionante título do estúdio no sentido técnico, acaba pecando por falta de personalidade e ousadia narrativa, algo bem presente nos filmes anteriores do Laika. Pessoalmente eu não aguento mais filmes sobre abomináveis homens das neves e suas variáveis, então já fico com um Pé atrás quando sei que o filme aborda esse tema. Mas no caso de “Link Perdido”, só a animação já compensa seu tempo.

É visível que tanto o roteiro quanto os personagens foram simplificados para atingir um público mais infantil. Toda a graça do filme recai sobre o famigerado “Sr. Link” (Zach Galifianakis), tornando o protagonista Sir Lionel bem menos interessante do que os seus companheiros, além de ter um desenvolvimento bastante convencional.

Sr Link, é o famoso elo perdido entre os humanos e os primatas ancestrais. É interessante como ele quebra a ideia de “bicho estúpido”, mostrando-se sensível em diversas situações e raramente tomando decisões agressivas, além de entender tudo de forma literal.

A difícil tarefa de entender seu lugar no mundo

Entretanto, o roteiro assinado pelo diretor de animação de longa data do estúdio Laika, Chris Butler, se esforça para apresentar Sir Lionel e Sr. Link como dois lados da mesma moeda. De fato, há uma falsa equivalência no desejo de Sir Lionel de juntar-se ao clube Optimates de Londres, um grupo conservador que simboliza tudo de ruim da cultura Vitoriana, e a busca de Sr. Link por seus parentes distantes, os Yetis que vivem na mística Shangri-La, para que ele não precise permanecer sozinho. Ambos buscam a validação de seus semelhantes e o pertencimento, porém os motivos de cada um são totalmente distintos.

Os personagens secundários não chamam atenção, temos Adelina Fortnight (Zoe Saldana) que serve apenas como apoio emocional de Sir Lionel e gosta de mostrar que sabe se virar sozinha, mas constantemente precisa ser resgatada, nem sempre por sua culpa. Os antagonistas mal aparecem e são totalmente dispensáveis, representando a sociedade Vitoriana e servindo de chacota para o que há de pior nos britânicos.

Ainda assim, não há como negar que Link Perdido pode ser considerado o mais belo trabalho do estúdio Laika até hoje, lembrando que eles são responsáveis pelo magnífico “Kubo e as Cordas Mágicas”. A impressão é que Butler e seu time de animadores tentaram explorar visuais variados para demonstrar tudo que o estúdio pode alcançar. Vemos desde a Inglaterra Vitoriana até viagens tempestuosas pelo oceano e os montes gelados do Himalaia.

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O stop motion do estúdio nunca esteve mais fluído e expressivo, complementado com efeitos especiais de pós-produção, mesmo que haja uma busca pelo realismo ao invés de uma estilização maior nos designs, rostos e formas, com a possível exceção dos animais, que sempre tem uma cara bem engraçada.

Por outro lado, é mais fácil ficar frustrado pelo roteiro sem graça e desenvolvimento fraco dos personagens quando se considera todo o tempo, trabalho pesado e paixão que claramente foram colocados para que o filme fosse produzido, nada que torne a experiência ruim, mas vale salientar que o público alvo são as crianças mesmo.

Considerando todas as coisas, Link Perdido é o perfeito filme robusto reforçado por uma bela animação. Embora padeça da falta de profundidade emocional e temas mais ricos, os fãs certamente apreciarão o comprometimento do Laika em preencher seus filmes com personagens estranhos e igualmente bizarro no humor.

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Aqueles que se interessam são bastante encorajados a conferir na telona do cinema, onde é possível apreciar com detalhes esse universo criado com muito suor e amor. Afinal de contas, se o filme fizer sucesso, talvez mais dez anos de animações maneiras estejam por vir.

Critica do filme A Odisséia dos Tontos | Em União e Liberdade

Baseado no livro de Eduardo Sacheri, La Noche de la Usina, o diretor e roteirista Sebastian Borensztein apresenta em A Odisséia dos Tontos uma divertida história de um grupo de “perdedores” que luta por uma vitória contra o próprio sistema que os subjuga. Em tempos de crise política e econômica em toda a América Latina, a nova produção estrelada por Ricardo Darin — ator xodó do cinema hermano — aposta no poder terapêutico da história, ambientada na crise Argentina de 2001.

A trama simples e bem amarrada é elevada em todos os níveis pela direção inteligente de Borensztein. Explorando ao máximo o excelente elenco do filme, o diretor dá espaço suficiente para que Luis Brandoni, Daniel Aráoz, Carlos Belloso e até mesmo o filho de Darin, Chino — que também assina a produção da película junto com o pai — ditem o ritmo da película.

A Odisséia dos Tontos é mais uma ótima produção argentina e já desponta como pré-indicado ao Oscar 2020. Com um humor bem dosado e uma história incrivelmente atual e pertinente, o filme tem um carisma todo especial valendo cada minuto dos seus 116 minutos.

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Em uma cidadezinha nos cafundós da Argentina, um grupo de humildes moradores, liderados pelo casal Fermín Perlassi (Ricardo Darín) e Lidia (Verónica Llinás), decidem formar uma cooperativa para comprar e administrar um silo abandonado, reestabelecendo a economia local e gerando vários empregos na região. A utopia “anarquista” começa a se estruturar e um a um os moradores vão depositando a sua parte no negócio.

No entanto, mal sabem eles que o sonho está para se tornar em um grande pesadelo. Para facilitar a liberação do seu empréstimo, o grupo acaba depositando todo o dinheiro arrecadado no banco, mal sabiam eles que no dia seguinte o governo neoliberal de Fernando de la Rúa aplicaria o famoso “corralito”, congelando os depósitos dos poupadores e estabelecendo limites para a retirada de fundos — uma versão portenha do Plano Collor 1.

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Em tempo, o bando de perdedores acaba descobrindo que foram induzidos propositalmente a realizar esta operação financeira, para que outra pessoa, ciente do que estava por vir, pudesse tirar todo o dinheiro antes da medida econômica entrar em vigor. Furiosos com o esquema e desesperados para reaver suas economias, a cooperativa vai atrás do que lhes foi tirado, em uma vingança que traz justiça, não apenas para eles, mas para todos que já foram enganados pelo sistema.

É muito fácil se identificar com a trama do filme, não apenas pela proximidade geográfica dos eventos, mas pelo contexto histórico que teima em se repetir por toda a América Latina. Os tontos do filme são “pessoas reais”, aqueles tipos que encontramos em qualquer cidadezinha, ou melhor, qualquer bairro seja da Argentina ou do Brasil.

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Duas vezes Darin

Falar em cinema argentino contemporâneo é falar de Ricardo Darin, o “galancito” que chamou a atenção do mundo em Nove Rainhas, soma sucessos de crítica e público. Ano após ano o ator emplaca filmes sejam comédias, dramas ou policiais como O Segredo de Seus Olhos, Relatos Selvagens e Um Conto Chinês. Em A Odisséia dos Tontos não é diferente, o filme — mesmo em plena crise econômica (mais uma) — já é uma das maiores bilheterias portenhas do ano e pré-candidato argentino para o Oscar 2020. Além disso, o nome de Darin também aparece na produção e no sobrenome de outro coadjuvante da película, seu filho Chino com quem contracena pela primeira vez no cinema.

Mas o cinema argentino e A Odisséia dos Tontos não vive só de Darin, mesmo que sejam dois, o filme também traz um ótimo elenco de apoio com destaque para o trio formado pelo veterano Luis Brandoni na pele do borracheiro “anarquista” Antonio Fontana, o impagável Carlos Belloso e seu “Loco” Medina e Daniel Aráoz como Belaúnde, um peronista convicto.

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“Boludos”

De crise em crise a Argentina vem dançando seu tanto político há um bom tempo. O atual momento, de retorno peronista não poderia contextualizar melhor a obra de Borensztein, que diz muito sem falar alto, com um filme simples que explora o poder do grupo, da cooperativa, e brinca com o espírito Robin Hood do pequeno tirando do grande.

Como no brasão Argentino, em união e liberdade, o grupo de heróis sem grandes atributos se tornam maiores pela união de suas forças. O grupo de “idiotas” como eles próprios se intitulam, são capazes de forjar um plano que devolve a dignidade para todos que já se sentiram explorados pelo sistema.

A Odisséia dos Tontos cativa com seus heróis carismáticos e sua mensagem universal de vingança robin-hoodiana

Munido de uma ingenuidade quase que infantil, o filme de Borensztein equilibra comédia, drama e pitadas de crime no que é um ótimo “filme de assalto” (heist movie) à lá 11 Homens e um Segredo. Com uma história de pequenos contra gigantes, A Odisséia dos Tontos agrada todos os públicos e não ficaria surpreso se em breve Hollywood transportar a saga dos idiotas portenhos para o cenário estadunidense.