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Crítica do filme Hardcore: Missão Extrema | Cinema em primeira pessoa

Comparar determinado filme de ação com um passeio de montanha russa é um grande clichê, porém, é difícil encontrar uma forma melhor de sintetizar os 96 minutos alucinantes de Hardcore: Missão Extrema. Ilya Naishuller não perde um segundo sequer e joga o espectador no meio da ação desde o inicio e só para quando os créditos finais começam a subir.

Você, ou melhor, Henry acorda desmemoriado e sem saber ao certo o que está acontecendo apenas para descobrir que a sua esposa Estelle (Haley Bennett) o salvou da morte ao reconstruí-lo como um ciborgue. Sem muito tempo para maiores explicações, Akan (Danila Kozlovsky), um vilão megalomaníaco com poderes telecinéticos, leva Estelle e lança Henry em uma busca frenética por Moscou.

Muito da sensação de descontrole que vem justamente do grande truque cinematográfico da película, a perspectiva da câmera em primeira pessoa. Exatamente, Hardcore: Missão Extrema é a primeira produção para os cinemas filmada totalmente em primeira pessoa, colocando o protagonista e o espectador na mesma posição atrás da câmera.hardcore henry1 9cdfe

"Uma ideia na mão e uma câmera na cabeça"

O que pode soar como um artífice marqueteiro é na verdade uma parte intrínseca da cinematografia de Hardcore, que entrega eficientemente toda a "urgência" e confusão do protagonista. Vale notar que Hardcore foi realizado, em sua maior parte, utilizando apenas uma câmera GoPro 3.

O conceito de Hardcore: Missão Extrema surgiu em dois clipes da banda soviética Biting Elbows. O líder do grupo, Ilya Naishuller dirigiu os clipes no qual um personagem anônimo enfrente vários oponentes enquanto tenta localizar um aparelho misterioso, tudo isso gravado em primeira pessoa. 

Os vídeos chamaram a atenção de muita gente, mais de 40 milhões de visualizações no YouTube, entre essas pessoas estava Timur Bekmambetov, diretor russo responsável por Ben-Hur (2016) e Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros. Bekmambetov entrou em contato com o Ilya e os dois resolveram expandir a ideia na forma de um longa. Talvez por isso a aposta na forma e não no conteúdo.hardcore henry2 11fc8

Apesar de soar como um critica, é apenas a constatação de que a forma como a mensagem é entregue é mais importante do que o tema em si. E tudo funciona muito bem, deixando a impressão de que está vendo um jogo de videogame. Da trama simplista, que se resume a um herói indo resgatar sua princesa, e do desenrolar da jornada, que se dá como em estágios de um jogo, com direito a um mapa indicando ao protagonista seu próximo objetivo.

"Hardcore: Missão Extrema" é um dos melhores jogos que você já assistiu

Além disso, ainda temos os vários personagens caricatos entregues por Sharlto Copley (em múltiplos papéis) ao longo do filme. Por sinal destaque para o astro de Distrito 9, que entrega atuações interessantes em cada uma de suas encarnações. O filme também conta com uma aparição relâmpago de Tim Roth (Oito Odiados) na pele do pai de Henry. 

A trilha sonora é um destaque a parte. Ditando o ritmo da ação com muito rock, batidas eletrônicas, um pouco de Queen, pop soviético e até mesmo a música tema clássica do filme Sete Homens e um Destino.

Hardcore: Missão Extrema entrega exatamente o que promete, nem mais nem menos. A criatividade e impetuosidade própria dos soviéticos criam uma mistura anabolizada e cocainômana de Busca Implacável e Call of Duty que não pode ficar de fora da lista de nenhum fã de filmes de ação.

Crítica do filme Aquarius | Tão bagunçado quanto a política brasileira

Desde que foi anunciado, "Aquarius" vem nos intrigando. Que filme nacional é esse que, mesmo sem ser uma comédia pastelão, vem lotando salas no Brasil todo e ganhando destaque em eventos internacionais de cinema? Qual é a história deste produto cultural que se tornou uma verdadeira bandeira da resistência política em um momento importantíssimo da história do país?

Finalmente fomos conferir essa novidade do cinema nacional. Confesso, não é fácil deixar um tantinho de lado os posicionamentos políticos e pensar em "Aquarius" apenas como um filme, sem levar em consideração todo o contexto polêmico que o cerca. Tentarei. Vem comigo?

Com direção e roteiro de Kleber Mendonça Filho, o longa-metragem conta a história da escritora e jornalista Clara (Sônia Braga), moradora do famigerado condomínio "Aquarius", na praia da Boa Viagem, em Recife. Contextualização necessária: essa praia se tornou um reduto da classe alta e média-alta na capital pernambucana, que vem criando um histórico de despejo de famílias inteiras, justificado pela "expansão", crescimento e remodelagem da cidade.

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Clara vive neste apartamento desde a década de 70, ali criou seus filhos, escreveu seus livros, lutou contra uma doença, viu a vida passar. Acontece que, quando tudo está encaminhado para uma aposentadoria tranquila, chega o caminhão do progresso atropelando tudo: a construtora Bonfim quer a todo custo comprar o apartamento de Clara, último remanescente habitado no prédio, para construir mais um condomínio de alto padrão.

Conflitos, conflitos por todos os lados

Apesar de se vender como um filme sobre a situação de Clara e seu condomínio e sobre as relações de poder que se mostram quando uma grande incorporadora vem com tudo pra cima de uma moradora, "Aquarius" é sobre muito mais do que isso.

O filme é um verdadeiro retrato de uma mulher de 60 anos e seus conflitos. Conflitos de classe, conflitos de geração, conflitos internos, conflitos femininos e feministas, conflitos familiares.

A disputa para continuar no apartamento que lhe é tão caro é, na verdade, o pano de fundo para que conheçamos as reflexões de Clara sobre a superação de sua doença, seu envelhecimento e redescobertas emocionais e sexuais, sua relação com a família e os filhos.

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Por conta disso, em termos de estrutura, o ponto chave do filme é também seu Calcanhar de Aquiles: o roteiro muito recheado e ambicioso é bem intencionado, pois todas as questões que o roteirista tenta trabalhar são importantíssimas. No entanto, por conta disso o filme acaba ficando denso demais e um tanto cansativo – e não apenas por ser muito longo.

"Aquarius" é um verdadeiro retrato de uma mulher de 60 anos e seus conflitos

São inseridos diversos personagens dispensáveis e várias cenas compridas que não acrescentam muito à história, que parecem ter sido inseridas para explicar certos pormenores da história, e isso não contribui de uma forma muito positiva. O filme poderia encolher uma meia hora sem perder conteúdo, apenas inserindo respostas para essas perguntas em outros contextos.

Passado e presente

Dividido em três atos, “Aquarius” começa no ano de 1979 e tem seus primeiros minutos contatos em cenas da época que são esteticamente muito bem feitas. Extremamente cuidadosa com o figurino e ambientação histórica, a direção é atenciosa com as roupas, calçados, detalhes de decoração. Tudo é muito caprichado na composição, apesar de algumas falhas de montagem que aparecem nas cenas que se passam atualmente.

Já a trilha sonora do filme é um verdadeiro deleite – um plus se você for apreciador de sons da década de 70, tanto de MPB quanto de clássicos internacionais. Durante toda a duração do longa-metragem, a música tem uma presença quase que materializada, já que a protagonista também tem uma forte relação com o universo musical.

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As canções ajudam a marcar o temo do filme, embalam algumas das cenas e até mesmo contribuem para a solução de determinados conflitos da história. Assim, a trilha sonora funciona quase como um personagem coadjuvante, muito mais do que um mero recurso técnico da produção.

Menção honrosa para Sonia Braga, que faz um trabalho maravilhoso. Enquanto o restante do elenco passa com atuações discretas, a atriz chama a atenção e diva completamente no papel de Clara. Desfila leve e solta como se Clara fosse ela em todas as cenas, desde as mais tranquilas em que dá um despretensioso mergulho na praia, até as mais intensas ou mais quentes.

Muitos retratos

O trabalho de Kléber Mendonça Filho faz um belo retrato de uma cidade dividida, da desigualdade social que tão fortemente marca a cidade de Recife – e o Brasil, por extensão. Mas não apenas isso, "Aquarius" faz um primoroso retrato da vida de uma mulher de meia idade, suas descobertas (e redescobertas), as dúvidas, a soltura de algumas amaRras, o surgimento de outras.

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O problema é que, para resolver tudo isso, Kléber precisaria de muito mais tempo e muito mais espaço. A história da Clara, observada por todos estes ângulos que ele aborda no filme, bem poderia ser contada em uma série ou minissérie. Relatada em um filme, se tornam quase duas horas e meia que passam arrastadas graças às cenas longas de diálogos e reflexões, algumas bastante cansativas.

“Aquarius” é um filme importante, que aborda uma série de questões que precisam ser urgentemente discutidas. Não é à toa que vem levando aos cinemas um público acima do normal para produções nacionais.

Um grande auê por um produto que não entrega tudo aquilo que promete

É uma pena que seja a chamada “pregação para convertidos”, uma vez que a maioria das salas são lotadas por quem já sabe do que o filme se trata – tanto que não são poucos os relatos de sessões encerradas por sonoros gritos de “Fora Temer”.

Para atingir o grande público, talvez seria uma boa ideia enxugar um pouco a história, cortar alguns personagens e algumas cenas, encurtar outras e priorizar algumas das discussões. Se vale a pena prestigiar o longa-metragem? Sem dúvida. Se o público brasileiro já financia tanta produção fraca, por que não pagar pra conhecer uma história mais aprofundada?

No entanto, temos aqui um caso de um grande auê por um produto que não entrega tudo aquilo que promete. "Aquarius" é mais bandeira política do que uma grande obra de arte. Não é genial, é apenas um filme bem intencionado, mas que carece de alguns ajustes.

Crítica do filme Cães de Guerra | Trapaceando o sonho americano

Cães de Guerra testa as habilidades cinematográficas de Tood Phillips, mostrando que o diretor é capaz de oferecer algo diferente. Ótimas atuações (com destaque para Jonah Hill), boas risadas e até mesmo um pouco (bem pouco) de reflexão moral, fazem de Cães de Guerra um dos melhores títulos da filmografia do diretor.

O grande trunfo de Cães de Guerra é a sua capacidade de enganar o público. O filme se veste de comédia para contar um drama, celebra o sucesso para mostrar a queda, e essa habilidade ganha corpo em Efrain Diveroli (Jonah Hill), o golpista carismático que guia David Packouz (Miles Teller) e o espectador pelo terreno moralmente ambíguo do mercado internacional de armas.

A história, inspirada em um artigo publicado na revista Rolling Stone, segue a jornada de dois amigos que encontram uma forma (totalmente legal) de participar de licitações do exército estadunidense durante a Guerra do Iraque. Assim, dois caras chapados de vinte e poucos anos em um escritório de Miami, acabam descolando um contrato de 300 milhões de dólares. Porém, todo sonho acaba eventualmente, até mesmo o sonho americano.

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David Packouz (Miles Teller) anda meio perdido, trabalhar como massoterapeuta malmente paga as contas e sua nova empreitada, vendendo lençóis de luxo para casas de repouso em Miami, não deu muito certo. Sem saber ao certo o que fazer da vida, ele recebe a noticia de que sua namorada Iz (a bela Ana de Armas) está grávida. Essa é a deixa para que Efrain, um velho amigo dos tempos de escola, assuma o controle da vida de Miles e da película como um todo.

Jonah Hill (O Lobo de Wall Street) e Miles Teller (Whiplash – Em Busca da Perfeição) se firmam como dois grandes nomes da sua geração e mesmo com alguns altos e baixos, a presença dos dois é marcante ao longo de Cães de Guerra. Sem sombra de dúvida Jonah Hill é o nome do filme, sua atuação é extravagante como a própria vida de Efrain. É impossível não reparar quando ele está em cena, até mesmo pela sua corpulência (Jonah parece estar mais obeso do que em qualquer outro filme) um traço que evidencia a sede por excesso que guia o personagem.

David é o narrador, mas é Efrain quem se destaca.

Efrain está sempre em busca de mais, mais dinheiro, mais drogas, mais tudo, ele é expansivo e acelerado, seja por conta da sua personalidade ou pela cocaína que flui à la Scarface ao longo de todo o filme. Já David Packouz é o oposto, comedido, mínimo, tranqüilo. Ele é a contraparte perfeita para Efrain.

Jonah cunha um personagem que odiamos amar. Ele é petulante ao extremo e sua flexibilidade moral é uma afronta, mesmo assim ainda criamos empatia por ele.

Se beber dirija...  outros filmes

Todd Phillips (Se Beber Não Case) mostra que atingiu sua maioridade em Hollywood, o que não significa dizer que ele amadureceu. Seguindo os passos de ouros diretores como Adam McKay (Quase Irmãos) e Jay Roach (Austin Powers), Philips foge do seu bioma e explora um cinema diferente, mesmo que apenas na teoria.

Phillips é tão trapaceiro quanto Efrain, ele absorve o ritmo alucinante de Scorsese em O Lobo de Wall Street a linguagem dinâmica de McKay em A Grande Aposta e faz com que tudo pareça naturalmente seu. Ficamos com a impressão de que se trata de um novo episódio da franquia Se Beber Não Case, especialmente durante a primeira parte do filme.

caes de guerra02 c3732Longe de ser perfeito, Phillips acaba somando mais acertos do que erros, entregando assim um filme mordaz e bem afinado. Com uma trilha sonora acertada e alguns artifícios narrativos inteligentes (como a divisão do filme em capítulos) a película consegue maquiar muitas de suas falhas. No final temos um bom filme que nos deixa com a impressão geral de que Phillips ainda possui algumas cartas na manga.

Crítica do filme O Roubo da Taça | Malandragem e humor cheio de acertos

O polêmico sumiço da Taça Jules Rimet em 1983 é a inspiração para “O Roubo da Taça”, do diretor Caíto Ortiz. A famosa taça foi dada ao Brasil após a Copa do Mundo de 1970, quando a seleção brasileira de futebol conquistou três campeonatos consecutivos. O troféu foi levado da sede da CBF, no Rio, em 19 de dezembro de 1983. Boatos dizem que a taça foi derretida, o destino final da taça ainda é incerto.

Essa é uma comédia de erros, onde cada personagem depende do vacilo de outro para que tudo saia como planejado. Claro que nem tudo flui perfeitamente, mas a graça está exatamente nisso. Expere um humor exagerado e até bobo, mas não piadas forçadas que precisam de risadas no fundo para ensinar ao público a hora de rir.

"Uma boa parte disso realmente aconteceu"

O filme inicia com essa frase, e quase todos os aspectos do evento real estão na película. Algumas coisas foram acrescentadas ou adaptadas, afinal isso não é um documentário, mas a história geral é bem contada e consegue prender a atenção até de quem não liga muito para futebol.

Em Dezembro de 1983, conhecemos Peralta (Paulo Tiefenthaler), um típico malandro que quer ganhar a vida com um golpe de sorte, adora jogar em cassinos clandestinos e sempre tenta resolver seus problemas com o famoso jeitinho brasileiro.

Ele é um frequentador assíduo da sede da CBD no Rio de Janeiro (atualmente CBF), pois é um fanático torcedor do Galo (Atlético Mineiro), onde fica sabendo que a famosa Taça Jules Rimet está exposta. Devido a diversas dívidas com jogos e ameaças de seus credores, ele planeja roubar a taça e vendê-la para quitar suas dívidas.

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Dolores (Taís Araújo), sua namorada, já não aguenta mais tanta enrolação e o pressiona para casar. Encuralado e desesperado, o roubo da taça parece uma opção ainda mais brilhante. Porém, como Peralta não possui experiência alguma em roubos, ele convida seu amigo supersticioso Borracha (Danilo Grangheia), que aceita o convite no ato. A dupla invade a CBD no centro do Rio, rouba o caneco do tri e mais três outras taças que estavam ali de bobeira.

O que eles não esperavam é que a taça exposta era a original, pois a réplica estava no cofre, uma ideia bem boa mesmo. Por conta disso, o furto gera uma histeria nacional, com a polícia, exército, imprensa e amantes do futebol  procurando a relíquia e os responsáveis pelo sumiço. Peralta e Borracha tentam vender a taça, mas ninguém quer participar de tamanha heresia.
Mr. Catra interpreta um possível comprador, mas seu papel é meramente um bonus para seus fãs e possíveis filhos.

Isso tudo até encontrarem Armando (Fábio Marcoff), um argentino safado que vive no coração de Copacabana que, além de aceitar derreter a ‘Jules’, passa a bombardear Dolores com seu charme de latin lover barato.

Ótimas atuações ajudam muito o filme

A escolha dos atores foi muito acertada, assim como a escolha de manter os personagens falhos e patéticos, ao invés de idealizados e lindos. Aqui não existe “bem e mal”, mas pessoas ambiciosas tentando levar a melhor em cima do erro dos outros, fazendo a história se desenvolver de forma natural e divertida, além de ser inevitável identificar pessoas conhecidas nos personagens.

Os aspectos técnico são primorosos. Além da excelente escolha de atores já citada, que conta ainda com a sempre excelente figura de Milhem Cortaz, que interpreta o investigador Cortez, o trabalho de direção de arte e fotografia prestam atenção aos detalhes de figurino e cenário, recriando o Rio da década de 80 com maestria.

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Vale ainda prestar atenção nas escolhas de planos e cameras, como steadycams que acompanham os personagens, mostrando tanto a ação quanto o cenário com um ritmo muito bom, um tanto incomum em comédias populares, o que da um charme especial ao filme.

O “Roubo da Taça” foi produzida pela plataforma de streaming Netflix, que vem mantendo um nível elevadíssimo em suas produções, e essa é mais uma escolha bem interessante. O filme é incrivelmente bom nos aspectos técnicos, e consegue acertar no humor exagerado sem parecer forçado. A torcida agora é para que as produções nacionais continuem nesse nível.

Crítica do filme Café Society | Saboroso, mas um tanto morno

Se o novo filme de Woody Allen fosse um café, talvez ele pudesse ser avaliado como um grão proveniente de um bom produtor, com uma boa torra, de sabor encorpado e com notas de intensidade, porém nem de longe a melhor saca desta safra. Prepare seu cafezinho e vem comigo pra saber porque achamos isso!

Café Society” foi bastante esperado pelos românticos de plantão e pelos fãs incondicionais deste diretor que já se tornou um dos ~clássicos contemporâneos.

Com um casting bastante inovador para um romance do cineasta, o longa-metragem se passa na década de 30 e faz referência à época de ouro de Hollywood e da indústria cinematográfica, durante um tempo em que os círculos sociais das celebridades famosas pelos filmes eram celebradíssimos. Nessa época, a alta sociedade que se formou a partir disso e os novos ricos que se reuniam para beber e curtir ficou conhecia como Café Society.

Três cubos de açúcar

A trama do longa-metragem gira em torno do jovem nova-iorquino do Bronx Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg), que vive em uma família de trabalhadores e se muda para Hollywood, em Los Angeles, para buscar novos rumos e crescimento pessoal.

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Na cidade das estrelas, ele é orientado a procurar pelo tio, Phil Stern (Steve Carrel), um conhecido agente de grandes celebridades locais. Acontece que Phil é extremamente ocupado e não dá muita atenção ao sobrinho e pede que uma secretária acompanhe o novo californiano a conhecer os encantos de Los Angeles.

Certamente, o ingênuo Bobby se encanta com muito mais do que com a cidade. O que chama a sua atenção é Veronica (Vonnie), papel de Kristen Stewart. Inteligente, decidida e livre das alienações típicas das meninas de Hollywood, ela vira a cabeça de Bobby de cabeça pra baixo, dando início a uma série de encontros e desencontros que trazem a clara assinatura de Woody Allen – que, além da direção, é responsável pelo roteiro.

Qualquer café é melhor com um bom papo

O plot de “Café Society” não tem nada de grandioso ou mirabolante, mas é certeiro e vai direto ao ponto, como vários outros longas do diretor. Com o pretexto de contar a história de Bobby, Vonnie e Phil, o filme na verdade retrata toda uma época e todo um contexto em que a alta sociedade passa a se organizar em torno do cinema.

É um verdadeiro retrato do universo das fofocas e maracutaias hollywoodianas. 

Assim, é no talento para transformar o plano de fundo e no questionamento da superficialidade de toda uma geração que se concentra Woody Allen neste filme. E o grande tempero para isso são os diálogos, nos quais o diretor e roteirista é um grande mestre.

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Sem incríveis reviravoltas – já que o narrador conduz o público, que é onisciente e sabe o tempo todo o que está acontecendo, diferente dos protagonistas –, o filme consegue nos manter curiosos, intrigados e interessados durante todo o tempo, com diálogos extremamente divertidos e com aquela pitada de humor ácido clássica do diretor.

Encorpado e bem apresentado

Mas nem só de texto se faz “Café Society”. Além de um bom roteiro e dos diálogos bem-feitos, os personagens são, na sua maioria, bem construídos e consistentes. E não apenas os protagonistas. A produção traz atores coadjuvantes muito bons em personagens interessantes, com suas próprias histórias paralelas, mas sempre relacionadas ao centro da narrativa.

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Assim, o filme é muito bem dirigido, com todo o esmero típico de um diretor consagrado como Woody Allen. Para tanto, alguns fatores contribuem demais com o andamento da trama. A narração, marca registrada do diretor, está presente em “Café Society”, assim como uma primorosa e certeira trilha sonora.

Assinadas majoritariamente por Vince Giordano – que já marcou presença em produções aclamadas como o longa Carol e as séries Boardwalk Empire e Mildred Pierce, todas histórias da mesma época – as canções dão o tom da trajetória percorrida pelos protagonistas e ajuda a marcar a linha do tempo do filme.

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Destaque também para a caracterização dos personagens e para o figurino. Além dos cenários montados com cuidado, das locações belíssimas e da fotografia superbonita, os trajes são adequados e lindos, com toda a atenção necessária a detalhes como os acessórios.

Curiosidade: você sabia que o Woody Allen na verdade se chama Allan Stewart Königsberg?

Por falar em cuidados e preciosismo, vale mencionar o quão bem construída é a estrutura narrativa, que segue um padrão diferente, com entradas de tomadas que quebram a linha do tempo, circulando entre memórias, tempos futuros e cenas que “explicam” detalhes sobre a trama de uma forma descontraída e que descontínua muito interessante, que reserva algumas surpresas.

Quando analisado isoladamente, cada aspecto do filme “Café Society” consegue ser altamente premiável. No conjunto, no entanto, o filme é interessante, distrai e flui bem, mas não traz nada de muito diferente ou extraordinário: é mais uma história de amor ou de amores, com um pano de fundo legal. Mas claro, um prato cheio (ou uma xícara cheia – tu-dum-tssss) se você é um romântico de carteirinha ou se é fã de retratos de época, e também se aprecia um filme bem construído tecnicamente.

Crítica do filme O Sono da Morte | O sono da razão produz monstros

Para começar, é preciso baixar as expectativas antes de assistir “O Sono da Morte”. Se você viu os trailers e está esperando um filme terror, esqueça. O próprio diretor Mike Flanagan revelou, em entrevista, que não concorda com o marketing do filme, que insiste em vendê-lo como um filme de terror. Para ele, o longa é uma fábula ou, no máximo, um drama sobrenatural.

Então não espere ficar com medo, pois vai no máximo se assustar em algumas cenas. Vou evitar ao máximo revelar detalhes demais sobre a trama, para não estragar a experiência de quem ainda não viu.

Borboletas e fantasmas

Cody (Jacob Tremblay) é um garoto de oito anos que perdeu sua mãe quando era pequeno, e diz não se lembrar dela. Ele é levado para um orfanato, mas sua adoção é problemática. Cody é adotado por três famílias diferentes, mas sempre é mandado de volta. Então, Mark (Thomas Jane) e Jessie (Kate Bosworth) são chamados ao orfanato e indicados para adotá-lo, pois estão tentando superar a morte de seu filho Sean, mais ou menos da mesma idade.

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Eles são avisados que Cody tem problemas para dormir, passando noites em claro especialmente porque ele toma diversas bebidas a base de cafeína, exatamente porque não pode dormir. O motivo é que quando ele dorme, seus sonhos e pesadelos se tornam realidade, e se manifestam pela casa interagindo com seus moradores.

Algo recorrente nos sonhos de Cody são borboletas, especialmente azuis. E em seus pesadelos,  uma espécie de demônio magro e meio caricato chamado Cankerman, ou Homem Cancro, sussura em seu ouvido dizendo que nunca vai abandoná-lo, ou melhor, que está sempre com ele. E essa é a figura que Cody teme ao dormir, pois ela devora seres humanos, inclusive alguns dos pais adotivos anteriores.

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Tudo isso tem um motivo, e as regras são colocadas logo no começo, então não é tão complicado juntar as peças para chegar a conclusão. A parte final do filme é literalmente uma explicação do motivo de tudo que acontece com Cody, ou quase tudo. Não existe uma razão específica para os sonhos do menino se tornarem reais, e todos os personagens parecem aceitar isso de uma forma bem natural. Existem outros pontos falhos, mas não vou mencioná-los para evitar o spoiler.

Dentro desse drama sobrenatural, o que realmente se destaca é a melhor criança do mundo cinematográfico, Jacob Tremblay. Para quem assistiu “O Quarto de Jack” já sabe o que esperar de sua atuação, e a base da história é mais ou menos parecida. Se em algum momento você se emocionar, será por conta desse menino incrível.

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Falando nisso, o filme tenta manipular as emoções do espectador, mas possivelmente só afete pessoas que perderam seus filhos ou algum ente querido de forma trágica, e isso é um golpe baixo muito mal aplicado.

É terror, mas não é?

A narrativa possui todos os elementos da fórmula de filmes de “terror”: criança morta embaixo da cama, camera tirando o personagem de foco apenas para revelar o fantasma atrás dele em seguida e assim por diante. Os possíveis sustos proporcionados são todos jump scares bem previsíveis.

Pra ajudar a piorar, os efeitos visuais ficaram um pouco abaixo da média. Talvez seja a tentativa de forçar o público a acreditar que aqueles momentos são apenas sonhos, mas é difícil se sentir imerso nessas situações. A possível exceção são os “fantasmas”, que até ficaram como uma aparência bem sinistra, mas são utilizados apenas nas jump scares e são facilmente superados.

Por fim, não espere nada incrível ou assustador, mas uma fábula fantástica sobre família e superação de traumas, além da aceitação necessária para que mudanças positivas aconteçam. Como um conto de fadas, o filme é interessante, então vale a pena conferir nem que seja para matar a curiosidade.