Crítica do filme Straight Outta Compton | O melhor rap que o cinema já produziu
Gosto muito de rap, mas sempre dei mais ouvidos aos grupos nacionais, nunca fui muito chegado em diversos grupos famosos dos Estados Unidos. A glamurização das tretas de gangues e o excesso de machismo e misoginia (que, infelizmente, não são exclusividades do rap produzido na terra do Tio Sam) sempre me incomodaram, e isso não era diferente com N.W.A.
Apesar disso, reconheço a importância do grupo tanto para a formatação do gênero quanto pelo posicionamento antirracista de suas letras. Portanto, prestar atenção a diversas coisas que foram produzidas na costa oeste dos Estados Unidos durante o final dos anos 80 e começo dos 90 é essencial para qualquer apreciador do rap.
Chegamos, então, a "Straight Outta Compton – A História do N.W.A.", cinebiografia do “grupo mais perigoso do mundo”, como se autointitulava o quinteto de Compton, subúrbio barra pesada de Los Angeles, nos Estados Unidos. Na telona, vemos um breve período antes da formação do grupo, somos levados ao estrelato, à confusão entre os integrantes, à dissolução do N.W.A. e a uma reunião que foi interrompida por um fato trágico.
O filme é dirigido por F. Gary Gray, tem roteiro escrito a quatro mãos por Andrea Berloff e Jonathan Herman e conta com dois ex-N.W.A. na produção (Dr. Dre e Ice Cube). A condução da história vai criando uma imersão do espectador com a realidade violenta a que estavam submetidos os jovens de Compton, fazendo disso o pano de fundo para toda a caótica cena do rap.
Perseguição pela polícia, brigas de gangue, relações familiares difíceis e uma enorme ânsia por se expressar convulsionavam a cabeça de cada um deles. Aqui, um dos grandes trunfos do filme, que consegue lidar com essas informaçoes de forma precisa, apesar de algumas relações que extrapolam os limites da banda serem menos exploradas (como a relação de Dre com a sua mãe e também com sua ex-esposa e sua pequena filha).
Um show de rap
A obra consegue equilibrar bem o protagonismo de cada membro da banda, dando maior enfoque aos membros de maior destaque do grupo — Dr. Dre (Corey Hawkigs) e Ice Cube (O'Shea Jackson Jr.), os mais bem-sucedidos, e Eazy-E (Jason Mitchell), principal vocalista e mártir da turma. Em linhas gerais, os holofotes recaem sobre quem importa para a construção da trama, o que não é nada negativo, e mostram MC Ren (Aldis Hodgen) e DJ Yella (Neil Brown Jr.) como coadjuvantes.
A trilha sonora do filme é um show a parte para os fãs de rap e de música negra em geral. Além de diversos clássicos do N.W.A, como Straigth Outta Compton e Fuck Tha Police, o filme também traz referências a outros gênios direta ou indiretamente ligados ao, como George Clinton e o Funkadelic, Tupac, Snoop Dogg — tem até uma playlist oficial do filme rolando no Spotify.
Um filme real (mas faltou um pouco mais de realidade)
Do ponto de vista cinematográfico, "Straight Outta Compton" é um grande filme. A direção é quase impecável, as atuações são incríveis e o resultado final é um relato cru sobre brigas, amizade, rap e violência policial. A lembrança dos conflitos gerados pela absolvição dos quatro policiais que espancaram o taxista Rodney King em Los Angeles, em 1992, por exemplo, é um dos exemplos de como o filme dialoga em diversas frentes e consegue compreender o rap como, acima de tudo, uma expressão do povo negro e da periferia em busca de dignidade.
A lamentar apenas o pano que os roteiristas passam em algumas questões. A linguagem misógina já conhecida do rap não é tão explorada, apesar de ficar evidente em alguns momentos. Mas o que mais intriga é a cinematografia pintar Dr. Dre como um romântico inveterado ao mesmo tempo em que esconde casos de agressão a mulheres por parte do DJ e produtor.
Apesar de recentemente o próprio Dre ter vindo a público se desculpar pelos casos, reconhecendo seus erros e de alguma forma tentando amenizá-los (o que não é problema algum), é lamentável que isso tenha sido completamente ignorado no filme.
Mas as falhas em "Straight Outta Compton" são poucas. O filme tem uma linguagem forte, marca presença e equilibra trechos cômicos com drama biográfico de forma bastante eficiente. Seus criadores compreenderam a grandeza e a importância do N.W.A não somente para o rap, mas também para a nova página da cultura negra que era escrita naquele período dos anos 80 e 90. O resultado disso é uma das melhores cinebiografias lançadas nos últimos anos.
