Critica do filme Halloween Ends | Todo carnav... Halloween tem seu fim!

Quando Halloween despontou nos cinemas em no final dos anos 70 pouco se esperava do filme, um retorno seguro do modestíssimo investimento de 300 mil dólares gastos para produzi-lo, entretanto, a condução magistral da dupla John Carpenter & Debra Hill, entregou muito mais. Redefinindo todo um gênero com um terror indo além das mortes e mutilações, Halloween introduziu um assassino psicopata incontrolável que, como o próprio Carpenter sempre o identificou, uma personificação do mal, uma força da natureza, imparável que inspira medo mesmo em sua ausência. 

Mais de 40 anos, nove filmes, e oito diretores diferentes, e a franquia Halloween -- que já passou por muitos baixos e poucos altos -- nunca conseguir reproduzir o impacto do original. As diversas sequencias tentaram introduzir elementos místicos, uma história de fundo para a psicopatia do assassino mascarado, Michael Myers, e sua vitima fetiche a “babá” Laurie Strode, mas nada que realmente capturasse o espírito primordial descrito por Carpenter que viu na “Forma” de Myers, uma personificação do medo, do mal e nada mais.

O que nos traz até hoje e até as mãos de David Gordon Green. Comandando uma nova trilogia, o diretor propõem algo maior do que apenas um novo capítulo da saga Halloween, não se trata de um prequel, ou de uma mera continuação, mas de um revisão da essência da franquia e, por consequência, do próprio gênero slasher que foi tão influenciado pela produção original. Em Halloween Ends, terceiro e último capítulo do experimento de Green, temos uma conclusão muito satisfatória,  com elementos inteligentes e um arco verdadeiramente interessante, mesmo que não consiga atingir todo seu potencial.

A consciênca do abismo

Em Halloween Ends já começa como reflexo de Halloween Kills, não apenas por se tratar de uma sequencia, mas por conta de toda a proposta da trilogia de Green, que explora o mal como algo muito maior e intrusivo do que o psicopata mascarado, mas como uma insidiosa sociopatia que afeta a tomos, mesmo aqueles que nunca tiveram contato com a “forma” de Myers. Em Halloween Ends, Laurie Strode e Michel Myers não são necessariamente os protagonistas, surpreendentemente, o diretor faz questão de esconder essas cartas, mostrando apenas um “curinga” que entra em jogo não para despistar o espectador, mas para expandir as regras do jogo. 

Em Halloween e Halloween Kills vemos como toda a cidade de Haddonfield entra em um frenesi causado pelo retorno de Michael Myers e dos traumas causados por ele a mais de 40 anos atrás. O mal já não estava mais contido apenas na “forma” de Michael, como um virús, o mal já havia infectado os moradores de Haddonfield e a ausência do psicopata mascarado cria um vácuo para a “criação” de um novo monstro que seja o catalizador do medo dessa comunidade.

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Nesse contexto acompanhamos a história de Corey um rapaz que, enquanto trabalhava como babá se envolve em um acidade que causa a morte de uma criança durante uma noite de Halloween, tornando-se o alvo perfeito para uma cidade que precisa de uma personificação para o seu medo. Sem a figura de Myers, tanto Laurie quanto Corey são vitimas veem na obstinação de Laurie e na irresponsabilidade de Cory, como indícios do próprio Michel Myers.

Esse é o grande trunfo da trilogia de David Gordon Green, o resgate da essência do mal que Michel Myers representa. Como Carpenter já anunciava lá em 1978, o bixo-papão não precisa ser real para nos atormentar. O medo, o mal é real e imparável não por ser uma criatura sobrenatural invencível, mas por ser um conceito enraizado em cada um de nós, algo que está fora e dentro de cada um, o abismo nietzschiano tem consciência e nos observa da mesma forma que observamos ele.

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Além do bem e do mal

David Gordon Green incomoda, propositalmente, o fã que espera um banho de sangue e mortes exageradas. Halloween Ends compreende o desvio exagerado presente na iteração anterior e não se perde pelo mesmo caminho de Halloween Kills, fechando a trilogia com uma mensagem que se mostra mais impactante do que a sanguinolência.

Halloween Ends não é nenhuma obra prima, mas entrega um final muito satisfatório para a trilogia de David Gordon Green e porque não, para toda a saga de Michael Myers e Laurie Strode. O filme tem a coragem de não se apoiar exclusivamente no psicopata mascarado e ou em galoes de sangue e membros dilacerados para prender o espectador, dito isso, ainda há uma boa quantidade de violência e até mesmo um intenso embate final entre com a sexsagenária Jamie Lee Curtis.

Halloween Ends funciona tão bem como conclusão da saga, que até mesmo redime algumas das falhas de seu antecessor

Na verdade, Halloween Ends funciona tão bem como conclusão da saga, que até mesmo redime algumas das falhas de seu antecessor, que contextualizado dentro da trilogia, se mostra necessário para o contraponto nessa conclusão. A trilogia como um todo também parece conter dentro de si uma progressão interessante que reflete a própria evolução do gênero ao longo dos anos; Halloween (2018) é uma referência direta às origens do slasher, Halloween Kills espelha a sanguinolência e sarcasmo dos anos 90 (como na série Pânico), e Halloween Ends apresenta a forma mais contemporânea desses filmes que tentam explorar origens e ramificações do mal dentro da sociedade.

Crítica do filme A Queda | Tensão em alto ar num suspense de cair do eixo

Algumas tramas não precisam de muito para prender nossa atenção. Basta um penhasco, uma montanha absurdamente alta ou qualquer uma das de centenas de ideias que lidam com o medo do ser humano diante de uma situação de risco de morte para ficarmos com os olhos fixos na telona.

Assim, “A Queda” pode ser considerado só mais um filme em que seres humanos desafiam a morte pelo puro prazer da adrenalina, mas isso não significa que ele não é um bom filme ou que não tem sua própria identidade. Na verdade, em seu ápice, a obra dirigida e co-roteirizada por Scott Mann surpreende e no decorrer deste drama é fácil se entreter durante suas quase duas horas de projeção.

Na história, acompanhamos Becky e Hunter, duas melhores amigas, que arriscam tudo quando sobem ao topo de uma torre de rádio de mais de 600 metros de altura e, obviamente, não conseguem uma maneira fácil de sair de lá. E é basicamente isso, porque a história não sairá disso e você verá as duas personagens em apuros por um longo período.

aqueda01 a354cFonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Vale notar que, apesar da previsibilidade, “A Queda” guardar boas surpresas. É inusitado como Scott Mann e Jonathan Frank (o segundo roteirista) bolaram tantas ideias numa situação restrita. Da mesma forma, é curioso como nossa mente divaga e usa da imaginação ao bolar planos para sair desse tipo de enrascada.

Aviso: mesmo sendo uma ficção, nós não recomendamos este filme para pessoas com acrofobia ou agorafobia, porque ele realmente é intenso e as cenas na telona do cinema devem proporcionar uma incrível sensação de imersão (o que em geral é um ponto positivo, mas para muita gente pode ser um gatilho e um ponto bem negativo).

Um dueto de respeito

Em geral, filmes deste gênero - que retratam seres humanos em situações de burrice aventura com risco de morte - são classificados como terror de sobrevivência, sendo que, tipicamente, tais obras exigem tanto do elenco, na questão da atuação, quanto da produção em questões de captação, efeitos e edição.

Primeiro porque, o trabalho de praxe que seria de memorizar diálogos e interpretar de forma convincente ganha um desafio a mais, uma vez que é preciso transparecer que sua vida realmente está em risco. Contudo, a coisa fica muito mais complicada quando há apenas duas protagonistas, que dominam 99% do tempo em tela.

aqueda02 66aadFonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Segundo porque há todo um trabalho corporal, afinal, você não escala uma torre sem fazer esforço e, muito menos, você fica no topo dela sem transparecer o pânico. É claro que a gente sabe que as atrizes não escalaram de fato os mais de 600 metros da torre, porém elas escalaram uma boa parte disso para alguns trechos.

Ainda que pouco conhecidas, Grace Caroline Currey (que interpreta Becky) e Virginia Gardner (no papel de Hunter) são muito boas atrizes e devem ganhar ainda mais projeção daqui para frente. Interessante que Jeffrey Dean Morgan faz uma ponta no filme, mas sua curta aparição não demonstra seu talento.

Falso, mas realista

E, na questão da produção, é interessante saber que boa parte de “A Queda” não se aproveitou de tecnologias como fundo verde e computação gráfica excessiva. Em vez disso, Scott Mann optou por reconstruir uma versão fictícia da Torre da KVLY-TV. Sim, a construção exibida no filme existe na realidade e fica na Dakota do Norte.

De acordo com a entrevista de Mann ao Radio Times, a produção optou por reconstruir uma réplica de uma porção da torre em uma montanha isolada. A ideia era justamente de trazer realismo ao resultado, bem como de proporcionar adrenalina às atrizes, já que elas gravaram parte das cenas numa altura similar, com os ventos soprando a mais de 600 metros.

aqueda03 f8839Fonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Há claro muitos truques de gravação e de edição, que nos permitem ter uma ideia do quão alto é a torre, bem como entregam tomadas com movimentos livres pelo ar ao redor da construção. Tudo isso culmina num filme raso em roteiro (não que a história seja ruim, mas é que não há muito para contar mesmo), mas profundo (literalmente) na aventura e no drama.

Mesmo que não seja uma obra que se aproveita de alguns clichês e tenha alguns errinhos (tanto de continuidade quanto de conceitos, ), é inegável que “A Queda” não deixa os ânimos caírem em nenhum momento, surpreende no roteiro e esnoba na sensação de perigo, algo muito difícil de fazer, mas que eles conseguiram de forma bem convincente. Uma boa pedida para ver nas telonas!

Crítica do filme X – A Marca da Morte | Morrendo de prazer, mas com estilo

X – A Marca da Morte” pode não ser um título genial, mas seu roteiro tem boas ideias, que devem levar os fãs de slashers de volta à década de 1970. Dirigido e roteirizado por Ti West, este é mais um filme da enorme lista de obras recentes que foge da atualidade e busca no passado espaço para ineditismo.

Dá certo e não dá. Apesar de ter um script original, é raro um filme de slasher trazer algo que seja totalmente novo, ainda mais depois de tantas investidas nas ideias mais malucas possíveis. Assim, mesmo a mistura ousada de sensualidade com matança não é algo novo, temos aí “Virgens Acorrentadas” como exemplo dessa pegada.

Então, o que faz “X – A Marca da Morte” ser atraente? Bom, o primeiro trunfo do filme é a trama, que gira em torno de um grupo de jovens buscando fama ao tentar reinventar o gênero de filmes pornográficos com um toque apimentado. Para tanto, eles decidem alugar uma casa numa fazenda remota: o local perfeito para morrer de prazer!

xamarcadamorte01 9eaa6Fonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Recheada de clichês? Sem dúvida! Inventiva em alguns pontos? Com certeza, até porque não é todo dia que estamos prontos para conceber que o instinto assassino não tem limite de idade. No entanto, o que mais prende a atenção é o cuidado nos detalhes e a construção de cenas que elevam a tensão com suspense e banhando a tela de sangue em momentos inesperados.

Previsível, mas meticuloso

Não se trata de spoilers, até porque não é preciso ser um gênio para saber que um slasher é um filme concebido para proporcionar momentos de terror através da sensação de impotência de vítimas que não esperavam por um perigo maior do que elas imaginavam. Então, se você leu a sinopse ou viu o trailer de “X – A Marca da Morte” você já começa o filme sabendo que essa sacanagem vai acabar em choro.

Assim, apesar do esforço de Ti West em construir algo criativo e marcante, o resultado não surte muito efeito no sentido amplo da trama. Há sim fatores que surpreendem, porém eu gostei mais de algumas cenas complementares na trama — que estão ali para ambientação — do que de determinadas cenas de matança que só parecem mais do mesmo.

xamarcadamorte02 cd832Fonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Apesar da criatividade no modus operandi, é inegável que o clímax de certas execuções acaba ficando aquém do esperado. Por outro lado, é notável o esforço de West em criar arte nos instintos mais primitivos e na sanguinolência. E é justamente nessa pegada que a obra pode agradar uns e decepcionar outros. Curiosamente, o filme tenta até ter um fundamento sobre moralidade, mas o contexto é tão perdido em meio a loucura, que fica difícil conectar as coisas.

É claro que nem todo mundo está disposto a ver um banho de sangue acompanhado de uma fotografia detalhista com a loucura embalada por uma trilha sonora em volume exagerado. Tal técnica já é de praxe em filmes de slasher, mas West tem seus truques e faz um bom trabalho ao retratar o apetite sexual, o sadismo, a perversão e a violência. E sempre com músicas instigantes!

Parte do mérito vai para o elenco com artistas convincentes, que vão do erotismo ao perigo em questão de instantes, sendo que os destaques ficam para às mulheres. Com nomes como Mia Goth (de “A Cura” e “Suspíria - A Dança do Medo”), Jenna Ortega (de “Pânico 5”) e Brittany Snow (de “A Escolha Perfeita”), o filme tem uma dualidade entre inocência e violência.

xamarcadamorte03 1dcbeFonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Apesar da quebra de clímax em alguns momentos, “X – A Marca da Morte” consegue entreter em sua proposta sensual e brutal. É um filme mais visceral do que tenso, sendo inegável que uma abordagem mais incisiva no terror (e menos pedante na arte) poderia deixar a trama mais assustadora. Há criatividade, a tensão funciona, mas a gente sempre quer mais, né?

De qualquer forma, um bom filme para os amantes de slashers e não por acaso vem mais um longa-metragem ambientado nesta mesma bolha proposta na trama. Então, fique de olho em “Pearl” para apreciar mais do terror de Ti West, mas só vá atrás desta obra se você já tiver visto “X – A Marca da Morte”.

Crítica do filme Men - Faces do Medo | Nem todo homem…

O pesadelo fantástico criado por Alex Garland nada mais é do que uma bem intensionada, porém desconexa, tentativa de traduzir as agressões masculinas por meio de uma amontoado mal amarrado de alegorias, metáforas e simbolismo. O diretor que surpreendeu com o excelente "Ex-Machina: Instinto Artificial" (2014) e o inquietante "Aniquilação" (2018), retorna para mais uma "tradução" fantástica da realidade e, especialmente, do feminino dentro de um mundo agressivamente masculino.

Garland entrega uma visão febril das constantementes as agressões masculinas travestidas de amor. Sem entrar nos méritos do "lugar de fala", é evidente que Garland usa o fantástico para estampar questões de gênero e, por meio de alegorias, por vezes nada sutís, refletir sobre religião e a vilipendiosa imagem do feminino na sociedade como "justificativa" normalizadora dos comportamentos masculinos cada vez mais violentos, sejam essaa ameaças físicas ou psicológicas.

Sem um foco muito preciso e com vários problemas estruturais, "Men - Faces do Medo" ainda funciona dentro de nichos cinematográficos bem específicos. Não se trata de um filme fácil, não apenas pelos temas, mas também pela sua linguagem. O terror folclórico está em voga ultimamente, mas Alex Garland não tenta deixar a película palatável em nenhum momento, transformando o filme em uma viagem visual um tanto exaustiva para os desavisados, ao mesmo tempo em que se revela como uma iguaria requintada para os apreciadores de tal estilo.

A lei do pecado acoberta o agressor

Harper (excepcionalmente interpretada por Jessie Buckley) tenta se recompor do fim traumático de seu casamento com James (Paapa Essiedu) e resolve passar uma temporada em uma casa no interior da Inglaterra. Como uma boa "Eva" portadora dos pecados, sua primeira atitude é morder uma maçã, condenando toda a humanidade ao martírio do "conhecimento" e justificando a raiva do homem pela perda do paraíso. 

O ator Rory Kinnear assume o papel de todos os agressores de Harper, alternando entre o anfitrião que aluga a casa, o vigário local, um adolescente problemático, um policial, um barman e a própria encarnação da essência masculina. Essa escolha se mostra brilhante na medida que se percebe que todos os homens são sim possíveis agressores e que não há como saber quando um passeio pelo bosque pode se tornar um ataque, quando uma simples negativa pode gerar uma agressão gratuita, um diálogo acolhedor se transforma em julgamento moral.

men01Fonte da imagem: Divulgação/DNA Films

Certamente, se escrito ou dirigido, por uma mulher, "Men - Faces do Medo" traria uma narrativa diferente. Desconsiderando as questões do "lugar de fala", Garland consegue sim entregar uma inquietante sensação de desconforto que certamente traduz algum nível de verdade do terror feminino.

Rory Kinnear faz um trabalho excepcional navegando entre as diferentes faces do medo. Essa habilidade de Kinnesr permite que Jessie Buckley se aproveite do cenário brilhando em uma atuação visceral que opera em uma dualidade constante, compondo momentos de fragilidade e força, medo e alívio.

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Medo e delirio no jardim do Éden 

Garland não faz uso da mesma sutileza vista em "Ex-Machina: Instinto Artificial", e abusa da fotografia maestral de Rob Hardy para compor suas alegorias. Apesar da técnica excepcional, Men acaba falhando na hora de engajar o espectador e a simbologia acaba se perdendo um pouco na montagem confusa e pesada.

Um body horror psicológico enraizado no folclore que explora as raízes e a reprodução do patriarcado

Mesmo com alguns problemas e uma estrutura densa, "Men - Faces do Medo" consegue apresentar uma ótima discussão sobre a crise da masculinidade. A presença de Men em analises acadêmica é apenas uma questão de tempo. A maneira como Garland explora mitologias e arquétipos dentro na reprodução do patriarcado é algo que certamente renderá trabalhos de dissertação ou pelo menos algumas boas discuções em mesas de bar.

Crítica O Telefone Preto | Não diga "Alô"! Diga "Socorro! Como vou sair daqui?"

O gênero de terror sofre bastante com a falta de inovação, permeado por filmes que aderem a clichês nos roteiros e na construção dos momentos assustadores. Assim, quando vemos um trailer promissor como o de “O Telefone Preto”, é perfeitamente normal manter a empolgação comedida para a decepção ser menor na hora de conferir o resultado final.

No entanto, aqui temos alguns pontos que permitem ter uma boa ideia de que o tempo e o ingresso não serão investimentos perdidos. Primeiro, é bom enfatizar que “O Telefone Preto” é dirigido e co-roteirizado por Scott Derickson, a mente por trás de “Doutor Estranho”, “A Entidade” e “O Exorcismo de Emily Rose”, ou seja, o LinkedIn do cara tem ótimas referências.

Além disso, temos a presença de Ethan Hawke no elenco de “O Telefone Preto”, o que pode não ser um indicativo de sucesso, já que há outras tantas obras de terror com famosos que acabam tendo resultados aquém do esperado, mas, ao menos, há alguns nomes aqui que acabam sugerindo que o potencial existe de fato.

Apesar do trailer caprichado, do diretor competente e do elenco promissor, é a trama de “O Telefone Preto” que chama atenção. Nesta obra, acompanhamos a história de Finney Shaw, um garoto de 13 anos que é sequestrado e mantido preso em um porão. Ali, há um telefone desconectado, o qual permite ao menino receber chamadas das vítimas anteriores do assassino.

otelefonepreto01 07cdbFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Se você quer a versão resumida da crítica, fica a dica: “O Telefone Preto” é um terror que capta muito bem a essência do gênero propagada em títulos recentes como “IT – A Coisa”, graças ao elenco infanto-juvenil, que é extremamente competente; bem como é uma obra que se destaca pela originalidade, ao mesclar lendas urbanas com paranormalidade. Agora, se você já viu o filme ou quer mais detalhes (sem spoilers), acompanhe o restante do texto.

Resgate do terror independente

Já faz algum tempo que Hollywood percebeu a magia do terror nostálgico, mas, não só isso, muitos estúdios perceberam como o terror independente lá da década de 1970 e 1980 tinha algo único: a originalidade. Mesmo que vários projetos antigos — hoje consideradas clássicos do gênero — não tivessem orçamentos mirabolantes, as ideias eram de fato muito boas, o que agradava a audiência.

É claro que há algumas décadas, o cinema de fato tinha recursos mais precários e a ausência da computação gráfica forçava tecnicalidades manuais na execução dos filmes, porém era bem comum ver roteiros originais. Com o passar dos anos, fica difícil reinventar a roda, afinal muitas obras anteriores já usaram todo tipo de ideia criativa, mas sempre há um jeito.

Aí é que entra dois fatores para “O Telefone Preto” merecer destaque. O primeiro é um conceito original (pelo menos na minha humilde memória de filmes do gênero, não me recordo de algum projeto que siga exatamente o mesmo percurso de ideias). O segundo é esse retorno ao charme visual da década de 1980, que pode ser algo proposital, mas que funciona muito bem.

otelefonepreto02 f1efaFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Bom, a originalidade deste filme vem de uma história curta concebida pelo escritor Joe Hill, também conhecido como Joseph Hillstrom King — e, para os menos familiarizados, este é um dos filhos do escritor Stephen King. Vencedor de prêmios como Eisner Award e Bram Stoker Awards, o autor famoso no segmento de títulos literários de terror iniciou sua carreira com Fantasmas do Século XX (20th Century Ghosts), obra que reúne alguns contos, incluindo “O Telefone Preto”.

Assim, a engenhosidade da versão cinematográfica está apoiada no material escrito, porém, pensando em obras audiovisuais, o filme “O Telefone Preto” traz um punhado de ideias que são inéditas. Bom, se você já viu o trailer, vai dizer que “um assassino sádico que sequestra crianças” não é algo bem original. E, de fato, a novidade não está nesta parte, mas sim no desenrolar da história.

O terror nos pequenos detalhes

A ideia de ser uma trama ambientada na década de 1980 ajuda muito, já que é difícil criar terror com os atuais artifícios de tecnologia, então situar um drama numa época sem celular, câmeras de segurança e localizadores garante simplicidade. De qualquer forma, é legal que “O Telefone Preto” acaba usando uma tecnologia (o nome já denuncia isso) para o desenvolvimento da trama.

E com essa pegada mais retrô, o filme acaba pegando carona na longa onda (eu diria até um tsunami) de filmes que imitam obras antigas e abusam de recursos saudosistas, como músicas, vestimentas, gírias e situações comuns de décadas anteriores. Nesse rumo, “O Telefone Preto” cativa facilmente e evita (ainda que existam) efeitos especiais, o que dá um ar de ousadia. Isto tudo combinado com uma fotografia impecável dá ao filme uma atmosfera sombria e constante.

otelefonepreto03c d2befFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Enorme parte do mérito do filme está justamente nas situações de construção da história, em que vemos como os personagens se entrelaçam e aí as menções vão para o elenco sumariamente composto por adolescentes muito talentosos. O destaque especial vai para Mason Thames, que assume uma parte gigante da trama sozinho e o faz de forma genial, certamente é um jovem que veremos em muitos títulos daqui para frente.

Interessante pontuar que Mason Thames e Madeleine McGraw até já tiveram outras aparições em filmes e séries recentes, mas nomes como Miguel Cazarez Mora, Rebecca Clarke, Spencer Fitzgerald e outros são estreantes, o que prova que o elenco escalado foi experimental, mas muito bem acertado, uma vez que o resultado ficou excelente!

Agora, é claro que Ethan Hawke dispensa comentários. O ator que estampa os cartazes do filme encarna o vilão da história. Aqui, vale elogios tanto à performance de Hawke — que não é alguém conhecido por papéis de terror, mas que acabou chocando pela sua dedicação ao papel — quanto ao desenvolvimento do personagem, que usa diferentes tipos de máscara, sendo mais um item simples, porém que traz originalidade à película.

otelefonepreto04 73d71Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

No todo, “O Telefone Preto” é um filme que agrada pelo desagradável, tanto que é possível que fique uma sensação de que podiam ter desenvolvido mais a história e mostrado outras situações de terror — mas, com o sucesso, nunca se sabe se não teremos mais história deste universo no futuro. É uma obra que evita o truque de “jump scare” (algo raro atualmente) e que aposta num suspense perene e flerta muito com o sobrenatural. Um longa-metragem para ver no cinema e rever em casa!

Critica Thor: Amor e Trovão | Desventuras existenciais do viking espacial

No que só consigo descrever como uma "farsa teatral", Taika conduz um filme que não tem medo de ser ridículo. Thor: Amor e Trovão é o proverbial "filme Sessão da Tarde" contemporaneo; leve, divertido e com uma boa dose de ação. A despretensiosidade do título faz com que o espectador não se preocupe com qualquer desdobramento do MCU, das ameaças cósmicas ou do colapso iminente do multiverso; tudo o que importa é que Thor Odinson está em cena!

Extrapolando ao máximo varias ideias com as quais já havia experimentado em Thor Ragnarok, Waititi mistura gêneros, abusa da caricatura e nunca se deixa levar a sério. Thor: Amor e Trovão não é nem perto de perfeito, mas em nenhum momento parece almejar tal status. Taika Waititi e seu elenco embarcam nessa jornada sabendo o destino, mas sem se importar com o trajeto. O diretor e os atores experimentam o tempo todo ao logo da película, mesmo que nem sempre com sucesso.

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O elenco entrega tudo o que se espera de nomes como Christian Bale, Natalie Portman, Tessa Thompson , Chris Hemsworth e Russell Crowe — que beira o ofensivo em uma versão deliciosamente caricata de Zeus. Cada um, com seu estilo, consegue transformar personagens “unidimensionais” em figuras que chamam a atenção o suficiente para preencher algumas lacunas do roteiro.

Muito acaba se perdendo ao logo do caminho, mas o que chega até o final é mais do que suficiente para entreter e mostrar que é sim possível quebrar o molde dos filmes de heróis. Thor: Amor e Trovão não supera seu predecessor na franquia do deus nórdico da Marvel, mas é um filme que entende seu lugar dentro do MCU, ao mesmo tempo em que parece não se importar com isso.

Ana Raio e Zé Trovão

Sem perder tempo, Waititi nos joga direto na ação seguindo diretamente após os eventos de Vingadores: Ultimato, vemos Thor acompanhando os Guardiões da Galáxia em missões espaciais enquanto busca pela sua verdadeira essência. Logo a trupe do viking espacial encontra o rastro de morte deixado por Gorr, um vilão em busca de vingança contra todos os deuses do cosmos.

Para impedi-lo, Thor e Korg, seu trovador, partem para Nova Asgard para recrutar o auxílio da Valquíria, apenas para descobrir que o Mjölnir (seu ex-martelo) foi restabelecido e agora é empunhado por Jane Foster (sua ex-namorada), ou melhor a Poderosa Thor. Odinson acredita que a força combina dos três guerreiros não será suficiente para parar Gorr, e resolve tentar a sorte convocando outros deuses de outros panteões para ajuda-lo nessa batalha.

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Apesar de estar permeado de temas e personagens interessantes, o roteiro nunca deixa folego suficiente para estes possam se desenvolver. O humor sempre preenche os vazios e qualquer conflito pessoal interno acaba invariavelmente se transformando em uma risada.

A grande verdade é que as piadas funcionam, mesmo que de um jeito infantil, e fazem com que ninguém precise falar de assuntos mais sérios. Porém, entre uma piada e outra, e são muitas, Amor e Trovão tenta entender a essência do herói e até apresenta uma delicada história sobre pessoas procurando por um sentido na vida, seu lugar no universo, sua mortalidade e até mesmo seu relacionamento com o divino. 

Deus está morto... talvez

Adaptando, muito livremente, os arcos das histórias em quadrinho Carniceiro dos Deuses (2012) e A Poderosa Thor (2014), o filme nunca alcança todo o potencial das sagas comandadas por Jason Aaron. Waititi parece ter entendido muito bem a essência de ambos os quadrinhos, haja vista a forma competente como o diretor contrapõem Gorr e a Poderosa Thor.

Todavia, a avalanche de piadas e pressa narrativa rouba muito do desenvolvimento de ambos personagens. O pouco que vemos de Gorr é trabalhado mais pelo talento de Christian Bale do que pelo desenrolar natural da trama. Uma criatura incrivelmente complexa que injeta temas niilistas em um filme de ação cujo super-herói é uma divindade garantiria por si só uma longa exposição e desdobramentos filosóficos que certamente chamariam a atenção do público.

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Enquanto isso, a luta de Jane Foster, vulgo a Poderosa Thor, tenta transformar sua dor em esperança. Sem deixar de evocar conceitos teológicos, de mortalidade, do divino e como humanos e deuses lidam com a vida e a morte, o filme tenta trazer isso a tona, mas sem muita profundidade. 

Assim como Christian Bale, Natalie Portman extrai o máximo da sua Jane Foster, porém, o ritmo acelerado do filme não deixa muitas conexões se estabelecerem e no final, todas as subtramas não expõem toda sua capacidade. Fica um sentimento anticlimático de que algo está faltando, que havia muito mais por detrás das cortinas e demos apenas uma espiadela por entre os panos.

Se você não espera vislumbres fenomenológicos heideggerianos sobre o Ser-aí-no-mundo, Amor e Trovão vai te agradar em cheio!

Os problemas de Thor: Amor e Trovão derivam todos de um mesmo ponto, a sua pressa. Parece haver uma ansiedade generalizada que não permite que o roteiro tenha seus momentos mais lentos, que os personagens possam desenvolver suas emoções e que o espectador possa respirar.  Toda essa celeridade ajuda em muito a manter o ritmo elevado, e entregar piadas com muita suavidade, mas sem dúvida prejudica a dramaticidade de toda a história.