Crítica Armageddon Time | Fim do Mundo é uma questão de perspectiva

Alguns filmes não são idealizados para te contar uma história com começo, meio e fim. Longe disso. Muitas vezes, as obras cinematográficas são pensadas para plantar pequenas sementes sobre um ou vários temas, para que você reflita e tire suas próprias conclusões. Não é o padrão de Hollywood, porém tais filmes existem e são muito prestigiados pela crítica.

É o caso de “Armageddon Time”, que, pelo nome, parece um filme de fim do mundo, mas que, no fundo, é uma obra parcialmente biográfica do diretor James Gray. Uma película que retrata um trecho de sua vida, num drama que tenta costurar dramas familiares, questões sociais e como isso reflete no sonho americano.

Vendido com um elenco que inclui Anthony Hopkins, Anne Hathaway e Jeremy Strong, o filme, na verdade, é protagonizado por Banks Repeta, que interpreta Paul Graff, um garoto branco, judeu e de família rica. Essas caraterísticas sobre a realidade de Paul são fundamentais, pois o filme pretende debater privilégios e preconceitos.

armageddontime01 d2bbdFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

A rotina de Paul não tem dificuldades realmente significativas (no que a gente chama de "classe média sofre"), mas a mentalidade do jovem é confrontada quando se depara com situações de racismo, ainda que não direcionadas a ele; os vieses diferentes dentro de sua família, que inevitavelmente confundem sua mente; e as incertezas sobre o futuro, que acabam tendo impacto imediato na vida.

Trata-se de um drama pessoal que tenta mostrar o conflito geracional, principalmente na realidade americana na década de 1980, que prometia o “sonho americano”, o qual, para muitos, foi apenas uma ilusão. Ainda que distante da visão que os brasileiros têm quanto às dificuldades na vida, há aqui pontos-chave válidos para reflexão. Um bom drama, apesar de não ter ponto final.

Uma história muito maior que o filme

Primeiro de tudo, é importante ressaltar que em questões técnicas, não há dúvidas que James Gray é muito cuidadoso no que faz. Você talvez já conheça a competência dele de filmes como “Ad Astra: Rumo às Estrelas” (ficção contemplativa e que agrada se o espectador for paciente), “Z: A Cidade Perdida” (um bom filme de aventura) ou de “Era Uma vez em Nova York” (um drama com tema relevante).

Então, nem é preciso muitos elogios para a direção, fotografia, edição e trilha sonora, porque “Armageddon Time” é um filme bem redondinho nesses aspectos. Assim, o que realmente importa é falarmos de dois aspectos: roteiro e atuações. Ao longo dos próximos parágrafos, vou mesclar tais considerações.

Bom, para falar sobre “Armageddon Time” é preciso uma dose de filosofia. Relaxa, não vou divagar — não muito, pelo menos. O ponto é que ele foge do padrão de dramas que dão uma contextualização e desenvolvem uma história por cima. Como eu disse previamente: não há começo, meio e fim. Trata-se de um recorte da vida do protagonista com pontos relevantes que permeiam esta curta trajetória.

armageddontime02 4e01cFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Aqui, James Gray tenta mostrar que a história como um todo são as diferentes contextualizações que diferentes protagonistas têm a respeito da sociedade e do tempo em que elas vivem. Se hoje você acha que o mundo parece estagnado nas mesmas concepções, é porque você não está enxergando o grande panorama.

Seus avós ou seus pais provavelmente já viram muitas transformações do mundo e talvez vejam um mundo muito diferente de duas, três ou mais décadas atrás — vai dizer que seus avós nunca começaram algumas frases com a seguinte construção: “não, porque no meu tempo era diferente”.

Sim, era tudo diferente mesmo. O mundo já foi mais racista, mais machista e mais preconceituoso. Certamente ele ainda está longe de ser o ideal para todos, porém há uma transição constante entre gerações. E, sempre vale recapitular, a percepção de mundo depende do ponto de vista, então para muitos o mundo é um lugar horrível.

É importante entender que se para nós, adultos, é difícil combater estereótipos e se opor aos retrocessos, imagine como é para uma criança perceber injustiças e tentar lidar com elas sem ter entendimento de mundo ou de futuro. Este é o xis da questão, já que temos aqui um protagonista de 10 ou 12 anos que começa a perceber incoerências da sociedade e, em meio a opiniões divergentes, tenta achar um norte.

O mundo não é igual para todos

O jovem Paul Graff tem dificuldades de concentração na escola, bem como, por vezes, ele divaga ao pensar sobre sua carreira como um grande artista. Para sua felicidade ou infelicidade (entraremos em detalhe sobre isso posteriormente), ele encontra, em meio ao caos, um amigo, Johnny Davies (Jaylin Webb), que compartilha de um dilema: enfrentar a vida sem saber o que é a vida.

armageddontime03 9d097Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Vamos combinar que muitos pais não têm uma noção realista do mundo. Seja por terem recebido uma educação simplista ou por nunca questionarem nada, a falta de atenção na educação dos filhos pode ser uma constante de geração em geração. E o que uma criança faz diante de tantos dilemas? Besteira, é claro!

Este é justamente o rumo que toma a trama do filme: uma revolução por parte das crianças, regado por desobediência e confrontamento. E, então, apesar de compartilharem sentimentos na amizade e pensamentos bagunçados, há um mundo de diferenças separando as realidades de Paul e Johnny.

Paul é um garoto branco, de classe média e que tem situações de desconforto em casa, como seu pai debochando de seu futuro como artista. Felizmente, Paul tem o amparo do avô, Aaron Rabinowitz (Anthony Hopkins), que não apenas é muito sábio, como respeitada em sua família e alguém que apoia o garoto.

armageddontime04 82401Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Já o pequeno Johnny é negro, pobre e tem situações complexas em casa — isso para não dizer situações extremas. A verdade é que ele deveria morar com sua avó, mas acaba fugindo de casa para não ser enviado para um lar adotivo, já que a avó está doente e não tem condições de cuidar propriamente dele.

Aos poucos, Paul percebe as situações de racismo enfrentadas pelo amigo, ataques que vêm do professor que o pune constantemente, ou dos colegas e da sociedade como um todo. A amizade dos dois passa por muitas provações quando Paul muda de escola e ele se afasta de Johnny principalmente pela influência dos novos colegas.

Nem todo filme tem uma moral

A solução? O apoio do avô Aaron, que sofreu preconceito durante boa parte da vida pelo simples fato de ser judeu. No entanto, há outras situações que se desdobram e mostram ao pequeno Paul que o futuro de sucesso, o tal sonho americano, talvez não seja para todos e que a sociedade geralmente trabalha contra os desfavorecidos.

E se você rolar a página um pouco verá que o ano de publicação desta crítica é o mesmo de lançamento do filme: 2022. No entanto, a ambientação de “Armageddon Time” é lá no início da década de 1980, portanto temos aqui uma janela de quase 40 anos que prova que as questões raciais, as injustiças e os preconceitos continuam fortes e precisam ser combatidos e debatidos. Não por acaso este filme existe.

armageddontime05 b8705Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Aliás, pausa para elogiar as excelentes atuações de Banks Repeta e Jaylin Webb. Se para o grande público já é complicado absorver as ideias do filme, é preciso de muito talento por parte do elenco mirim para conceber as minúcias e incorporar personagens complexos que talvez estejam bem distantes de suas realidades.

Por outro lado, é interessante como os adultos têm participação enxuta neste filme. Assim, apesar de vender muito com o nome dos famosos, todos têm papeis praticamente secundários, mas é claro que as atuações de Anne Hathaway e Jeremy Strong são fortes (com o perdão do trocadilho). No entanto, como de praxe, é Anthony Hopkins que realmente se destaca, tanto por ter maior relevância na trama quanto por ser um ator fenomenal.

Enfime, chegamos ao grand finale, que não é tão grand e talvez não seja um finale. Eu sei que a sensação para muitos ao fim do filme pode ser que “nada acontece”, já que o roteiro acaba de forma brusca e sem entregar uma moral. Bom, eis a moral: a luta por uma sociedade melhor para todos não é uma obrigação do filme, já que mesmo uma odisseia talvez não seria suficiente para resolver as injustiças sociais.

Contudo, é importante relembrar que a concepção que temos de filmes enquanto puro entretenimento não é uma máxima. Aos que gostam de chorar com dramas e ver tramas com finais felizes, há uma variedade de outras obras. Só que este não é o tipo de filme que “Armageddon Time” quer ser e, de vez em quando, é bom pensar fora da caixinha.

Critica do filme Adão Negro | Poder nascido da raiva... dos espectadores

Errado desde a sua concepção, Adão Negro falha em quase tudo que tenta fazer. Originalmente visto como um vilão para o filme do Shazam! – o que de fato seria uma ideia interessante, haja vista a justaposição dos dois personagens nos quadrinhos – o conceito foi engavetado para que The Rock pudesse encarnar o personagem em um filme solo.

Com esse primeiro erro tudo começa a ruir pela base. Tudo no roteiro é acidental, nada parece ter um propósito maior a não ser oferecer uma plataforma para que The Rock flexione seus músculos, destrua paredes e dispare raios.

O elenco principal, leia-se aqui o próprio The Rock, Pierce Brosnan e Aldis Hodge – os únicos com algum material para trabalhar, e que parecem se esforçar para entregar algo além de frases de efeito e caras contemplativas – logo se rendem aos gritos de guerra e “piadotas” sem graça. Criticar é fácil, mas é difícil fazer igual, o estilo Marvel esté visivelmente saturado, entretanto, mesmo em seus momentos mais lamentáveis (vide Thor: Amor e Trovão) ainda entrega produções minimamente coerentes.

Nascido da raiva (dos espectadores)

Nos quadrinhos, Adão Negro é um personagem interessante, cuja história de origem e flexibilidade moral fazem a sua vilania beirar o anti-heróismo. No roteiro abobalhado assinado por Adam Sztykiel (Rampage - Destruição Total) em parceria com Rory Haines e Sohrab Noshirvani (O Mauritano), as ações de Adão Negro são basicamente justificáveis por conta da imbecilidade de todos os outros.

Para alegria do “nerdola incel” que odeia pensar, o filme não aproveita seus momentos de “lacração” o que elevaria consideravelmente o nível intelectual da produção. O suposto herói em conflito não apresenta nenhum conflito, temos um “Wolverine” místico que pode ser violento, mas que ainda opera dentro dos “limites” de um anti-herói. Talvez por conta do carisma inato de Dwayne “The Rock” Johnson, o roteiro nunca explora a verdadeira dualidade de Adão Negro e a fina linha que separa anti-heróis e vilões.

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A presença da Sociedade da Justiça é outro elemento que beira o ridículo pelo esforço consciente dos roteirista em transformar a equipe em capangas do governo. Não há qualquer e esforço para trazer a tona discussões como o intervencionismo estadunidense, ou o fato de que super-heróis estão seguindo ordens de agencias governamentais com agendas escusas.

Além disso, a própria formação da Sociedade da Justiça já mostra o desdem com o time, apesar de trazer Gavião Negro (Aldis Hodge) e Senhor Destino (Pierce Brosnan) dois nomes famosos nos quadrinhos, a escolha pela introdução de Cíclone (Quintessa Swindell) e Esmaga-Átomos (Noah Centineo) é um bom exemplo de como não há qualquer sentido nas decisões do roteiro. Cíclone e o Esmaga-Átomos são mal desenvolvidos e literalmente não fazem qualquer falta para o desenvolvimento do filme.

Muito mais do menos

Considerando que ainda há quem defenda outras produções do DCEU (o universo cinematografíco da DC), como o infeliz Liga da Justiça de Zack Snyder, é fácil entender como Adão Negro deve encontrar seu público. Em um amalgama de pancadaria em câmera lenta e equipes de super-herois desorganizadas e personagens moralmente ambíguos, o filme consegue sim entregar um catadão do que há de pior nos filmes da DC, em um mix de Batman vs Superman e O Esquadrão Suicida.

Dito isso, é inegável que o exagero se torna um atributo de Adão Negro. É na pancadaria que o filme, e o diretor Jaume Collet-Serra (Jungle Cruise) se consagram. As cenas de ação são grandiosas e a fotografia de Lawrence Sher (Coringa) ajudam a entregar alguns bons momentos de puro suco de gibi, mas será que isso é suficiente?

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Além de estabelecer um sub-gênero bem definido os filmes inspirados nos heróis dos quadrinhos evoluíram e já não se limitam a mostrar pancadaria e feijoada. Não há vergonha em apreciar uma cena de luta belamente coreografada, da mesma forma que não há demérito em fazer o espectador pensar.

Personagens bem elaborados e desenvolvidos são essenciais para qualquer produção, mas parece que Adão Negro sofre com o que só pode ser descrito como descaso da Warner/DC. O mesmo estúdio que entregou o Batman de Matt Reeves - um filme multifacetado com personagens profundos e história envolvente - não investe esforço algum no desenvolvimento de Adão Negro, acreditando que a mera presença de Rock carregará toda a película, uma pena, e mais uma ótima chance perdida para reestabelecer o sempre cambaleante DCEU.

Critica do filme Halloween Ends | Todo carnav... Halloween tem seu fim!

Quando Halloween despontou nos cinemas em no final dos anos 70 pouco se esperava do filme, um retorno seguro do modestíssimo investimento de 300 mil dólares gastos para produzi-lo, entretanto, a condução magistral da dupla John Carpenter & Debra Hill, entregou muito mais. Redefinindo todo um gênero com um terror indo além das mortes e mutilações, Halloween introduziu um assassino psicopata incontrolável que, como o próprio Carpenter sempre o identificou, uma personificação do mal, uma força da natureza, imparável que inspira medo mesmo em sua ausência. 

Mais de 40 anos, nove filmes, e oito diretores diferentes, e a franquia Halloween -- que já passou por muitos baixos e poucos altos -- nunca conseguir reproduzir o impacto do original. As diversas sequencias tentaram introduzir elementos místicos, uma história de fundo para a psicopatia do assassino mascarado, Michael Myers, e sua vitima fetiche a “babá” Laurie Strode, mas nada que realmente capturasse o espírito primordial descrito por Carpenter que viu na “Forma” de Myers, uma personificação do medo, do mal e nada mais.

O que nos traz até hoje e até as mãos de David Gordon Green. Comandando uma nova trilogia, o diretor propõem algo maior do que apenas um novo capítulo da saga Halloween, não se trata de um prequel, ou de uma mera continuação, mas de um revisão da essência da franquia e, por consequência, do próprio gênero slasher que foi tão influenciado pela produção original. Em Halloween Ends, terceiro e último capítulo do experimento de Green, temos uma conclusão muito satisfatória,  com elementos inteligentes e um arco verdadeiramente interessante, mesmo que não consiga atingir todo seu potencial.

A consciênca do abismo

Em Halloween Ends já começa como reflexo de Halloween Kills, não apenas por se tratar de uma sequencia, mas por conta de toda a proposta da trilogia de Green, que explora o mal como algo muito maior e intrusivo do que o psicopata mascarado, mas como uma insidiosa sociopatia que afeta a tomos, mesmo aqueles que nunca tiveram contato com a “forma” de Myers. Em Halloween Ends, Laurie Strode e Michel Myers não são necessariamente os protagonistas, surpreendentemente, o diretor faz questão de esconder essas cartas, mostrando apenas um “curinga” que entra em jogo não para despistar o espectador, mas para expandir as regras do jogo. 

Em Halloween e Halloween Kills vemos como toda a cidade de Haddonfield entra em um frenesi causado pelo retorno de Michael Myers e dos traumas causados por ele a mais de 40 anos atrás. O mal já não estava mais contido apenas na “forma” de Michael, como um virús, o mal já havia infectado os moradores de Haddonfield e a ausência do psicopata mascarado cria um vácuo para a “criação” de um novo monstro que seja o catalizador do medo dessa comunidade.

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Nesse contexto acompanhamos a história de Corey um rapaz que, enquanto trabalhava como babá se envolve em um acidade que causa a morte de uma criança durante uma noite de Halloween, tornando-se o alvo perfeito para uma cidade que precisa de uma personificação para o seu medo. Sem a figura de Myers, tanto Laurie quanto Corey são vitimas veem na obstinação de Laurie e na irresponsabilidade de Cory, como indícios do próprio Michel Myers.

Esse é o grande trunfo da trilogia de David Gordon Green, o resgate da essência do mal que Michel Myers representa. Como Carpenter já anunciava lá em 1978, o bixo-papão não precisa ser real para nos atormentar. O medo, o mal é real e imparável não por ser uma criatura sobrenatural invencível, mas por ser um conceito enraizado em cada um de nós, algo que está fora e dentro de cada um, o abismo nietzschiano tem consciência e nos observa da mesma forma que observamos ele.

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Além do bem e do mal

David Gordon Green incomoda, propositalmente, o fã que espera um banho de sangue e mortes exageradas. Halloween Ends compreende o desvio exagerado presente na iteração anterior e não se perde pelo mesmo caminho de Halloween Kills, fechando a trilogia com uma mensagem que se mostra mais impactante do que a sanguinolência.

Halloween Ends não é nenhuma obra prima, mas entrega um final muito satisfatório para a trilogia de David Gordon Green e porque não, para toda a saga de Michael Myers e Laurie Strode. O filme tem a coragem de não se apoiar exclusivamente no psicopata mascarado e ou em galoes de sangue e membros dilacerados para prender o espectador, dito isso, ainda há uma boa quantidade de violência e até mesmo um intenso embate final entre com a sexsagenária Jamie Lee Curtis.

Halloween Ends funciona tão bem como conclusão da saga, que até mesmo redime algumas das falhas de seu antecessor

Na verdade, Halloween Ends funciona tão bem como conclusão da saga, que até mesmo redime algumas das falhas de seu antecessor, que contextualizado dentro da trilogia, se mostra necessário para o contraponto nessa conclusão. A trilogia como um todo também parece conter dentro de si uma progressão interessante que reflete a própria evolução do gênero ao longo dos anos; Halloween (2018) é uma referência direta às origens do slasher, Halloween Kills espelha a sanguinolência e sarcasmo dos anos 90 (como na série Pânico), e Halloween Ends apresenta a forma mais contemporânea desses filmes que tentam explorar origens e ramificações do mal dentro da sociedade.

Crítica do filme A Queda | Tensão em alto ar num suspense de cair do eixo

Algumas tramas não precisam de muito para prender nossa atenção. Basta um penhasco, uma montanha absurdamente alta ou qualquer uma das de centenas de ideias que lidam com o medo do ser humano diante de uma situação de risco de morte para ficarmos com os olhos fixos na telona.

Assim, “A Queda” pode ser considerado só mais um filme em que seres humanos desafiam a morte pelo puro prazer da adrenalina, mas isso não significa que ele não é um bom filme ou que não tem sua própria identidade. Na verdade, em seu ápice, a obra dirigida e co-roteirizada por Scott Mann surpreende e no decorrer deste drama é fácil se entreter durante suas quase duas horas de projeção.

Na história, acompanhamos Becky e Hunter, duas melhores amigas, que arriscam tudo quando sobem ao topo de uma torre de rádio de mais de 600 metros de altura e, obviamente, não conseguem uma maneira fácil de sair de lá. E é basicamente isso, porque a história não sairá disso e você verá as duas personagens em apuros por um longo período.

aqueda01 a354cFonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Vale notar que, apesar da previsibilidade, “A Queda” guardar boas surpresas. É inusitado como Scott Mann e Jonathan Frank (o segundo roteirista) bolaram tantas ideias numa situação restrita. Da mesma forma, é curioso como nossa mente divaga e usa da imaginação ao bolar planos para sair desse tipo de enrascada.

Aviso: mesmo sendo uma ficção, nós não recomendamos este filme para pessoas com acrofobia ou agorafobia, porque ele realmente é intenso e as cenas na telona do cinema devem proporcionar uma incrível sensação de imersão (o que em geral é um ponto positivo, mas para muita gente pode ser um gatilho e um ponto bem negativo).

Um dueto de respeito

Em geral, filmes deste gênero - que retratam seres humanos em situações de burrice aventura com risco de morte - são classificados como terror de sobrevivência, sendo que, tipicamente, tais obras exigem tanto do elenco, na questão da atuação, quanto da produção em questões de captação, efeitos e edição.

Primeiro porque, o trabalho de praxe que seria de memorizar diálogos e interpretar de forma convincente ganha um desafio a mais, uma vez que é preciso transparecer que sua vida realmente está em risco. Contudo, a coisa fica muito mais complicada quando há apenas duas protagonistas, que dominam 99% do tempo em tela.

aqueda02 66aadFonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Segundo porque há todo um trabalho corporal, afinal, você não escala uma torre sem fazer esforço e, muito menos, você fica no topo dela sem transparecer o pânico. É claro que a gente sabe que as atrizes não escalaram de fato os mais de 600 metros da torre, porém elas escalaram uma boa parte disso para alguns trechos.

Ainda que pouco conhecidas, Grace Caroline Currey (que interpreta Becky) e Virginia Gardner (no papel de Hunter) são muito boas atrizes e devem ganhar ainda mais projeção daqui para frente. Interessante que Jeffrey Dean Morgan faz uma ponta no filme, mas sua curta aparição não demonstra seu talento.

Falso, mas realista

E, na questão da produção, é interessante saber que boa parte de “A Queda” não se aproveitou de tecnologias como fundo verde e computação gráfica excessiva. Em vez disso, Scott Mann optou por reconstruir uma versão fictícia da Torre da KVLY-TV. Sim, a construção exibida no filme existe na realidade e fica na Dakota do Norte.

De acordo com a entrevista de Mann ao Radio Times, a produção optou por reconstruir uma réplica de uma porção da torre em uma montanha isolada. A ideia era justamente de trazer realismo ao resultado, bem como de proporcionar adrenalina às atrizes, já que elas gravaram parte das cenas numa altura similar, com os ventos soprando a mais de 600 metros.

aqueda03 f8839Fonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Há claro muitos truques de gravação e de edição, que nos permitem ter uma ideia do quão alto é a torre, bem como entregam tomadas com movimentos livres pelo ar ao redor da construção. Tudo isso culmina num filme raso em roteiro (não que a história seja ruim, mas é que não há muito para contar mesmo), mas profundo (literalmente) na aventura e no drama.

Mesmo que não seja uma obra que se aproveita de alguns clichês e tenha alguns errinhos (tanto de continuidade quanto de conceitos, ), é inegável que “A Queda” não deixa os ânimos caírem em nenhum momento, surpreende no roteiro e esnoba na sensação de perigo, algo muito difícil de fazer, mas que eles conseguiram de forma bem convincente. Uma boa pedida para ver nas telonas!

Crítica do filme X – A Marca da Morte | Morrendo de prazer, mas com estilo

X – A Marca da Morte” pode não ser um título genial, mas seu roteiro tem boas ideias, que devem levar os fãs de slashers de volta à década de 1970. Dirigido e roteirizado por Ti West, este é mais um filme da enorme lista de obras recentes que foge da atualidade e busca no passado espaço para ineditismo.

Dá certo e não dá. Apesar de ter um script original, é raro um filme de slasher trazer algo que seja totalmente novo, ainda mais depois de tantas investidas nas ideias mais malucas possíveis. Assim, mesmo a mistura ousada de sensualidade com matança não é algo novo, temos aí “Virgens Acorrentadas” como exemplo dessa pegada.

Então, o que faz “X – A Marca da Morte” ser atraente? Bom, o primeiro trunfo do filme é a trama, que gira em torno de um grupo de jovens buscando fama ao tentar reinventar o gênero de filmes pornográficos com um toque apimentado. Para tanto, eles decidem alugar uma casa numa fazenda remota: o local perfeito para morrer de prazer!

xamarcadamorte01 9eaa6Fonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Recheada de clichês? Sem dúvida! Inventiva em alguns pontos? Com certeza, até porque não é todo dia que estamos prontos para conceber que o instinto assassino não tem limite de idade. No entanto, o que mais prende a atenção é o cuidado nos detalhes e a construção de cenas que elevam a tensão com suspense e banhando a tela de sangue em momentos inesperados.

Previsível, mas meticuloso

Não se trata de spoilers, até porque não é preciso ser um gênio para saber que um slasher é um filme concebido para proporcionar momentos de terror através da sensação de impotência de vítimas que não esperavam por um perigo maior do que elas imaginavam. Então, se você leu a sinopse ou viu o trailer de “X – A Marca da Morte” você já começa o filme sabendo que essa sacanagem vai acabar em choro.

Assim, apesar do esforço de Ti West em construir algo criativo e marcante, o resultado não surte muito efeito no sentido amplo da trama. Há sim fatores que surpreendem, porém eu gostei mais de algumas cenas complementares na trama — que estão ali para ambientação — do que de determinadas cenas de matança que só parecem mais do mesmo.

xamarcadamorte02 cd832Fonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Apesar da criatividade no modus operandi, é inegável que o clímax de certas execuções acaba ficando aquém do esperado. Por outro lado, é notável o esforço de West em criar arte nos instintos mais primitivos e na sanguinolência. E é justamente nessa pegada que a obra pode agradar uns e decepcionar outros. Curiosamente, o filme tenta até ter um fundamento sobre moralidade, mas o contexto é tão perdido em meio a loucura, que fica difícil conectar as coisas.

É claro que nem todo mundo está disposto a ver um banho de sangue acompanhado de uma fotografia detalhista com a loucura embalada por uma trilha sonora em volume exagerado. Tal técnica já é de praxe em filmes de slasher, mas West tem seus truques e faz um bom trabalho ao retratar o apetite sexual, o sadismo, a perversão e a violência. E sempre com músicas instigantes!

Parte do mérito vai para o elenco com artistas convincentes, que vão do erotismo ao perigo em questão de instantes, sendo que os destaques ficam para às mulheres. Com nomes como Mia Goth (de “A Cura” e “Suspíria - A Dança do Medo”), Jenna Ortega (de “Pânico 5”) e Brittany Snow (de “A Escolha Perfeita”), o filme tem uma dualidade entre inocência e violência.

xamarcadamorte03 1dcbeFonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Apesar da quebra de clímax em alguns momentos, “X – A Marca da Morte” consegue entreter em sua proposta sensual e brutal. É um filme mais visceral do que tenso, sendo inegável que uma abordagem mais incisiva no terror (e menos pedante na arte) poderia deixar a trama mais assustadora. Há criatividade, a tensão funciona, mas a gente sempre quer mais, né?

De qualquer forma, um bom filme para os amantes de slashers e não por acaso vem mais um longa-metragem ambientado nesta mesma bolha proposta na trama. Então, fique de olho em “Pearl” para apreciar mais do terror de Ti West, mas só vá atrás desta obra se você já tiver visto “X – A Marca da Morte”.

Crítica do filme Men - Faces do Medo | Nem todo homem…

O pesadelo fantástico criado por Alex Garland nada mais é do que uma bem intensionada, porém desconexa, tentativa de traduzir as agressões masculinas por meio de uma amontoado mal amarrado de alegorias, metáforas e simbolismo. O diretor que surpreendeu com o excelente "Ex-Machina: Instinto Artificial" (2014) e o inquietante "Aniquilação" (2018), retorna para mais uma "tradução" fantástica da realidade e, especialmente, do feminino dentro de um mundo agressivamente masculino.

Garland entrega uma visão febril das constantementes as agressões masculinas travestidas de amor. Sem entrar nos méritos do "lugar de fala", é evidente que Garland usa o fantástico para estampar questões de gênero e, por meio de alegorias, por vezes nada sutís, refletir sobre religião e a vilipendiosa imagem do feminino na sociedade como "justificativa" normalizadora dos comportamentos masculinos cada vez mais violentos, sejam essaa ameaças físicas ou psicológicas.

Sem um foco muito preciso e com vários problemas estruturais, "Men - Faces do Medo" ainda funciona dentro de nichos cinematográficos bem específicos. Não se trata de um filme fácil, não apenas pelos temas, mas também pela sua linguagem. O terror folclórico está em voga ultimamente, mas Alex Garland não tenta deixar a película palatável em nenhum momento, transformando o filme em uma viagem visual um tanto exaustiva para os desavisados, ao mesmo tempo em que se revela como uma iguaria requintada para os apreciadores de tal estilo.

A lei do pecado acoberta o agressor

Harper (excepcionalmente interpretada por Jessie Buckley) tenta se recompor do fim traumático de seu casamento com James (Paapa Essiedu) e resolve passar uma temporada em uma casa no interior da Inglaterra. Como uma boa "Eva" portadora dos pecados, sua primeira atitude é morder uma maçã, condenando toda a humanidade ao martírio do "conhecimento" e justificando a raiva do homem pela perda do paraíso. 

O ator Rory Kinnear assume o papel de todos os agressores de Harper, alternando entre o anfitrião que aluga a casa, o vigário local, um adolescente problemático, um policial, um barman e a própria encarnação da essência masculina. Essa escolha se mostra brilhante na medida que se percebe que todos os homens são sim possíveis agressores e que não há como saber quando um passeio pelo bosque pode se tornar um ataque, quando uma simples negativa pode gerar uma agressão gratuita, um diálogo acolhedor se transforma em julgamento moral.

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Certamente, se escrito ou dirigido, por uma mulher, "Men - Faces do Medo" traria uma narrativa diferente. Desconsiderando as questões do "lugar de fala", Garland consegue sim entregar uma inquietante sensação de desconforto que certamente traduz algum nível de verdade do terror feminino.

Rory Kinnear faz um trabalho excepcional navegando entre as diferentes faces do medo. Essa habilidade de Kinnesr permite que Jessie Buckley se aproveite do cenário brilhando em uma atuação visceral que opera em uma dualidade constante, compondo momentos de fragilidade e força, medo e alívio.

men02Fonte da imagem: Divulgação/DNA Films

Medo e delirio no jardim do Éden 

Garland não faz uso da mesma sutileza vista em "Ex-Machina: Instinto Artificial", e abusa da fotografia maestral de Rob Hardy para compor suas alegorias. Apesar da técnica excepcional, Men acaba falhando na hora de engajar o espectador e a simbologia acaba se perdendo um pouco na montagem confusa e pesada.

Um body horror psicológico enraizado no folclore que explora as raízes e a reprodução do patriarcado

Mesmo com alguns problemas e uma estrutura densa, "Men - Faces do Medo" consegue apresentar uma ótima discussão sobre a crise da masculinidade. A presença de Men em analises acadêmica é apenas uma questão de tempo. A maneira como Garland explora mitologias e arquétipos dentro na reprodução do patriarcado é algo que certamente renderá trabalhos de dissertação ou pelo menos algumas boas discuções em mesas de bar.