Crítica do filme Cidade das Sombras | A Matrix antes do fenômeno Matrix

“Dark city” (1998), em português, “Cidade das Sombras”, é um thriller de ficção científica que prova haver vida antes do fenômeno Matrix, de 1999. Dirigido por Alex Proyas, “Dark city” segue na mesma temática inovadora de Matrix.

Mesmo sendo produção de custo mais baixo (27 milhões de dólares perante os 65 milhões do filme das irmãs Wachowski), “Dark City” nos envolve em sua atmosfera de jogo entre realidade e ilusão. Será que sua história também nos leva a tomar a pílula vermelha?

De forma aproximada ao despertar de Mr. Anderson (Keanu Reeves, em Matrix), John Murdoch (interpretado por Rufus Sewell) desperta em uma noite, dentro de uma banheira, em uma cena de crime claramente plantada para ele.

Antes de ser perseguido por sujeitos estranhos, Murdoch encontra o telefone de Dr. Schreber, o qual lhe explica que sua memória fora apagada e dá as coordenadas para a fuga do local. De forma caricata (um cientista tímido, justo e antissocial), Kiefer Sutherland é Daniel Schreber, um médico envolvido com alienígenas, os quais fazem daquela cidade escura um ambiente de experimento para seres humanos, por meio de um simulacro no qual todos acreditam ser a própria realidade.

Uma das bases conceituais de Matrix

Cidade das Sombras” pode nos levar a entender que possui referências a Matrix, mas a lógica é oposta. Por ser uma produção anterior, há momentos que pensamos referenciar Matrix, como a cabine telefônica por meio da qual o protagonista recebe a ajuda inicial do Dr. Schreber.

O mesmo acontece quando Trinity foge dos agentes da cena inicial de Matrix e recebe ajuda ao utilizar um telefone público; ou até mesmo quando Morpheus liga para Neo em seu trabalho, o guiando para fora do ambiente, no qual agentes o perseguem também. Essas tendências narrativas já aparecem, portanto, em Dark City.

cidadedasombras03 b5532Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Apesar de os méritos do tema “realidade simulada” estarem vinculados à superprodução Matrix, “Cidade das Sombras” dá o tom inicial de outras produções que viriam também a tratar da temática, como o filme “S1m0ne” (2002), “Simulation one”, mas com um tom dramático e cômico ao mesmo tempo, cuja atuação de Al Pacino brinda com um papel ora cômico ora dramático, ao simular a criação de uma atriz pop star, por meio de um programa de simulação.

Enfim, outros recursos técnicos, como o foco na noite e nas sombras presentes nos enquadramentos, bem como o ambiente mais lúgubre de “Cidade das Sombras” nos fazem imergir no ambiente de intrigas e nos fazem refletir que Matrix não foi uma novidade na época, mas uma produção que abriu as portas para filmes novos e para o conhecimento do grande público sobre autores que já trabalhavam essa temática da realidade e da ilusão na literatura, em relação com as distopias do futuro, como:

  • “Simulacres et simulation” (Simulacros e simulação, de Jean Beaudrillard);
  • I, robot (EU, robô), de Isaac Asimov;
  • Neuromancer, de William Gibson;
  • Do Androids Dream of Electric Sheep?, romance de Philip K. Dick, que originou Blade Runner.

Em suma, a série também Black Mirror aproveita todos esses temas, o que faz dela, hoje, a série como mais argumentos para esses assuntos de ficção especulativa.

cidadedassombras02 e1475Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Para fechar a questão sobre Dark City, o foco em ambientes fechados e muitos corredores com pouca luz, além dos planos fechados e contra-plongé, nos causam a sensação de pequenez e estranhamento, pois são recursos da expressão fílmica utilizados para produzirem o efeito de uma realidade estranha, possivelmente simulada, ou que simula que vivemos em um laboratório, um ambiente de constante experimentação.

Veja também a crítica de Cidade das Sombras em vídeo:

Crítica do filme Simone | Realidade simulada com um tom mais leve

“S1m0ne”, produção de 2002, codinome para “Simulation One”, é um título sugestivo em um mundo binário, dominado pelas fronteiras entre essências e aparências, verdades e mentiras, um mundo real contra o digital. O que essa produção tem a nos dizer sobre as Fake News e pequenas mentiras que vão aos poucos se tornando verdade?

Projeção de efeitos de verdade e a massificação da mentira

“Simone”, com direção de Andrew Niccol, já em 2002 nos surpreenderia com uma temática tão atual para este ano de 2021: a projeção de efeitos de verdade na cultura, por meio da massificação da mentira.

Em suma, o filme nos conta como a insistência na divulgação de pequenas mentiras na sociedade pode causar um desastre quando a opinião pública passa a acreditar em signos forjados, mas que criam efeitos de verdade. São Al Pacino e Winona Ryder que nos brindam com boas atuações, em um universo simulado, como a temática de Matrix, mas dissimulado no âmbito da indústria cinematográfica.

No filme, esse tema cria a narrativa de um ícone pop (uma mulher perfeita, Simone), sem que o ídolo seja de carne e osso. Assim é “S1m0ne”, universo em que um famoso produtor de filmes, Viktor Taransky, cria uma simulação perfeita, interpretada por Rachel Roberts, para encantar multidões.

simone1 c2f8eImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Ao acontecer um fato inusitado com a celebridade criada por Viktor Taransky, sua projeção, que somente existia no seu computador e na sua mente doentia, agora passa a ser objeto de investigação, o que obriga Taransky a explicar o suposto desaparecimento da garota. Por mais que ele se esforce para explicar que ela não existe, agora é tarde, a mentira se tornou verdade.

Simulacro e o Mito da Caverna, de Platão

A melhor cena, sem dúvida, que remete ao mito da Caverna de Platão, refere-se a um momento no qual o criador da simulação, Taransky, é supostamente flagrado com a sua criatura, Simone, a simular uma cena de amantes. No contexto, as suas sombras reproduzem a imagem dos dois através das janelas de um hotel de luxo: hilário e perfeito momento em que somente vemos as sombras de um mundo simulado (parcial) por trás da verdade que o público fanático acredita que vê.

simone2 c5c4dImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Com temática e expressão que nos lembram “The Matrix” (1999) (paletas de verde e azul), mas com um andamento mais lento (parecido com a direção anterior de Andrew Niccol, “Gattaca”) e um tom de comédia e drama, “Simone” é uma produção que vale a pena pela reflexão social atualizada, apesar dos seus quase vinte anos.

Bom filme para refletir a respeito das Fake News contemporâneas e a maneira pela qual as massas podem ser manipuladas através de um apelo vindo da indústria cultural.

Confira a crítica de Simone também em vídeo:

Critica do filme Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa | Subindo pelas paredes

Desconsiderando suas participações em Capitão América: Guerra Civil, Vingadores Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato, o teioso chega a sua nona iteração cinematográfica. Da trilogia original estrelada por Tobey Maguire e dirigida por Sam Raimi, passando pelas mal executadas produções de Marc Webb, que nos apresentaram o espetacular Homem-Aranha de Andrew Garfield, desviando para Homem-Aranha no Aranhaverso a uma animação sensacional (que nos introduziu o conceito do aranhaverso), até às reinvenções joviais de Jon Watts e seu novo Peter Parker, Tom Holland lá se vão quase duas décadas de escaladas.

Sem Volta Para Casa é a culminação não apenas do ciclo de Tom Holland, mas de toda uma jornada que começou lá no final do milênio passado e inicio dos anos 2000. Quando, muito antes de sequer existir a ideia de um MCU, Avi Arad manteve vivo o interesse do público em personagens que definhavam nas banquinhas, salvando uma editora falida e trazendo para as telas os heróis da “Casa de Ideias”. Não à toa, o filme presta homenagem ao controverso produtor responsável pela venda dos direitos de personagens icônicos da Marvel para diferentes estúdios de cinema — feito que paradoxalmente atravancou e impeliu o surgimento da Marvel Studios e do MCU.

Com uma nova fase ainda em seus primeiros momentos, o MCU — que agora também se expande para a TV (ou mais precisamente para o streaming da Disney+) — ainda reserva muitas emoções para os “zumbis marvetes”. A conclusão da trilogia de Jon Watts não deixa de seguir os moldes do MCU e ao final percebemos que todo o arco é, na verdade, uma grande história de origem para o jovem Peter Parker/Homem-Aranha. Apostando forte nas ramificações do multiverso, Sem Volta Para Casa é essencial para os fãs da Marvel e destila a quintessência dos filmes de herói.

Onde se vê a árvore não se vê a floresta

Entre as inúmeras discussões insignificantes, próprias dos reconditos nerds, uma das mais recorrentes é a de quem é o melhor Homem-Aranha dos cinemas. Os mais nostálgicos celebram a personificação de Tobey Maguire como um Peter Parker mais "convincente", enquanto outros millenials afirmam categoricamente que o carisma inato de Andrew Garfield faz dele um "Cabeça de Teia" perfeito, mas para toda uma nova geração de fãs Tom Holland é o único Peter Parker/Homem-Aranha.

Desde a primeira parte da trilogia comandada por Jon Watts, Homem-Aranha: De Volta para Casa, muito se questionava sobre a imaturidade do teioso e sua dependencia de Tony Stark/Homem de Ferro. Mal sabiam eles que tudo fazia parte de um plano maior, ou pelo menos é o que parece agora que temos a visão geral da trilogia com aa chegada de Sem Volta Para Casa.

SemVoltaPraCasa02 32fb3

Próximos de mais das árvores para ver a floresta inteira, as criticas quanto ao desenvolvimento do jovem Peter de Tom Holland não eram de todo injustas. Todavia, agora percebemos que os três filmes, em únissono, funcionam como uma grande história de origem. Peter Parker surge como um adolescente impetuoso, ansioso para mostrar seu valor, mas cuja própria puerilidade é sua maior fraqueza. Alheio aos verdadeiros riscos de ser um herói e facilmente seduzido pelo glamour da fama, personificadas pelo ídolo/mentor Tony Stark (o Homem de Ferro), o Homem-Aranha de Tom Holland é um garoto deslumbrado no meio de gênios, magos, monstros e alienígenas. Quando chegamos em Sem Volta para Casa, a conta já está na mesa e Peter não tem como pagar.

Pierre Bayard — psicanalista, escritor e professor da literatura na Universidade Paris-VIII — já explicava "Como falar dos livros que não lemos", assim, tangeando o entrecho aforista de grandes poderes e responsabilidades, Jon Watts mostra que há mais de um jeito de se contar uma história e entrega a sua versão do adágio "Dâmoclediano" com muita perspicácia. Com uma narrativa muito competente, Watts joga tudo em um violento redemoinho alimentado pelos ventos da nostalgia, que não apenas revira a mitologia do MCU como também promove a evolução dos personagens em vários aspectos, entregando no final um Homem-Aranha ainda mais interessante para o futuro cinematográfico da Marvel.

SemVoltaPraCasa01 3bf08

Na teia dos Aranhas

Sem Volta para Casa promove o retorno de vilões iconicos das produções passadas — incluindo aqui o infame J. Jonah Jameson de J. K. Simmons, que já havia aparecido no final de Longe de Casa. Jamie Foxx (Electro), Willem Dafoe (Duende Verde), Alfred Molina (Doutor Octopus), Thomas Haden Church (Homem-Areia) e Rhys Ifans (Lagarto) são arremessados no MCU, e entregam performances melhores do que na primeira vez.

Mesmo que o destaque inegável fique com Willem Dafoe, que mesmo dividindo o protagonismo com pelo menos outros 10 atores de peso, entrega um Norman Osbourn / Duende Verde multifacetado e fascinante, também devemos apontar apontar o trabalho de Alfred Molina e Jamie Foxx. Molina, que já havia apresentado uma versão inteligente do Dr. Otto Octavius / Doutor Octopus em Homem-Aranha 2, segue explorando bem a elegância e as minúcias do personagem, enquanto Jamie Foxx encontra a redenção de Max Dillon / Electro, cuja versão de O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro sofreu desde a concepção de seu design.

SemVoltaPraCasa03 0010d

Se a presença dos vilões dos filmes passados já era surpreendente, a grande revelação de Sem Volta Para Casa certamente foi o retorno de Tobey Maguire e Andrew Garfield. Abrindo de vez as portas do multiverso no MCU, a reunião dos três "Aranhas" alavanca a trama, alimenta a história de toda a franquia, e proporciona o crescimento tanto dos personagens como dos atores que os encarnam. A química entre os três é excelente, e permite que as interações não se limitem a um amontoado de memes, trazendo momentos verdadeiramente emotivos que, além de contextualizar cada figura dentro da história, também oferecem merecidos desfechos para os heróis.

Enquanto a atuação de Tobey seja impulsionada puramente (e de maneira suficiente) pela nostalgia, Andrew Garfield faz um esforço real para entregar a sua melhor versão do "teioso". Criticado durante sua passagem pela franquia, muito mais pelas viúvas de Tobey do que por sua performance em si, Garfield vai do cômico ao dramático com muita facilidade apresentando o Peter Parker / Homem-Aranha mais humano dos três. Por fim, Tom Holland parece que finalmente encontrou a sua voz dentro da série. Se nos título anteriores o ator parecia se apoiar mais na fisicalidade do papel, em Sem Volta Para Casa o britânico não veste apenas o uniforme do Homem-Aranha, mas também entra na pele de Peter Parker. Navegando com destreza por toda a jornada do personagem, Holland aproveita bem seus momentos e não fica apagado em meio a tantas estrelas.

A verdadeira felicidade está na própria casa

Sem Volta Para Casa não é uma obra prima, tem seus defeitos e acertos e no final não foge em nada ao padrão Marvel. O que pode soar como algo negativo é, mais uma vez, um grande trunfo. Assim, considerando o sucesso consistente do estilo Marvel de se fazer filmes é estranho questionar a suposta falta de criatividade das produções, mas deixo essa discussão para os "apocalipticos e integrados" e a dialética do modelo de reprodução cultural no contexto neogramsciano... ou por um bando de fãs um forum qualquer do Reddit

Com mais de 25 títulos lançados e um grande universo compartilhado é inegável que a formula já apresente alguns sinais de fadiga, mesmo que a cada novo lançamento sejam alcançados novos recordes de bilheteria. Entretanto, se a forma do bolo é a mesma o recheio certamente não é, e Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa mostra que Kevin Feige ainda esconde alguns truques na manga, olhando mais para o macro do que para o micro, apostando nos grandes arcos e não apenas nas histórias individuas.

Sem se emaranhar na própria teia de nostalgia, Sem Volta Para Casa revisita o passado de olho no futuro.   

Em suma, Sem Volta para Casa, como qualquer outra produção da Marvel Studios, é essencial para os fãs do MCU, ao mesmo tempo em que ainda se mostra minimamente atraente até para os não iniciados no mundo dos filmes de super-heróis. No entanto, para realmente apreciar os arcos narrativos de cada personagem é necessário algum conhecimento prévio, pelo menos da franquia Homem-Aranha. 

Crítica Ghostbusters – Mais Além | Nostalgia e novidade de mãos dadas

Lançado originalmente lá em 1984, a franquia “Os Caça-Fantasmas” fez um sucesso tremendo na época, algo que reverberou por muitas décadas. Curiosamente, a Sony Pictures investiu em apenas dois filmes originais, com a continuação “Os Caça-Fantasmas 2” sendo lançada em 1989.

De lá para cá, a franquia ficou apenas na memória da galera, mas foi ressuscita de forma inusitada em 2016 com uma abordagem diferente em “As Caça-Fantasmas”, dando vez para um novo time de especialistas em paranormalidades, protagonizado exclusivamente por mulheres.

Esta investida de 2016 deu certo, mas também deu errado. Apesar do tom bem-humorado e uma boa receptividade por partes dos críticos, os fãs não parecem ter gostado dessa alteração brusca no protagonismo da série. Assim, chegamos a uma nova adaptação, que ignora a existência do filme de 2016 e faz um gancho direto com os títulos da década de 1980.

ghostbustersmaisalem01 49019Imagem: Divulgação/Sony Pictures

Em “Ghostbusters – Mais Além”, a Sony não apenas ignorou o título tradicional em português, mas foi “mais além” com um subtítulo ruim. Bizarro, mas faz parte do show. O que importa é que o novo filme tem trama envolvente, que, apesar de se apoiar nos protagonistas clássicos, dá fôlego à franquia, com novos personagens, bom humor e muito mistério.

Uma coisa engraçada é que o título recente dos Caça-Fantasmas teve um efeito quase contrário, fazendo mais sucesso para o público geral do que para os críticos. Os acertos do filme são muitos e os tropeços são raros, muitas vezes devido à galhofa excessiva. De qualquer forma, o resultado geral está acima da média e as risadas são garantidas.

Muitas referências, mas poucas interferências

A história de “Ghostbusters – Mais Além” gira em torno de uma família que recebe a triste notícia do falecimento do patriarca da família, um senhor que não tinha laços de afeição com sua filha e seus netos. Apesar disso, Callie (Carrie Coon) e seus filhos, Trevor (Finn Wolfhard) e Phoebe (Mckeena Grace), resolvem ir atrás da herança: uma fazenda abandonada.

O trio é composto por personagens muito carismáticos, que conseguem roubar a cena em diferentes momentos da trama. Curiosamente, apesar de Finn Woflhard (que você certamente conhece de Stranger Things e IT) estar entre os protagonistas, o destaque do filme fica para Mckeena Grace e para dois coadjuvantes: Logam Kim (que interpreta Podcast, um colega de Phoebe) e Paul Rudd (professor das duas crianças).

ghostbustersmaisalem02 9dec7Imagem: Divulgação/Sony Pictures

Juntos, esse grupo vai atrás dos mistérios que cercam a fazenda da família (da qual sequer sabemos o sobrenome) e também da cidade que apresenta tremores frequentes. É claro que a plateia sabe muito bem do que se trata todo o suspense do filme, mas é muito legal ver como a história é desenrolada, principalmente porque há inimigos inusitados.

Para obter sucesso na missão, eles contam com os aparatos do antigo proprietário da fazenda, que detém uma série de instrumentos tecnológicos, incluindo objetos que você com certeza já conhece de tempos passados e um veículo que é único em seu estilo. É dessa forma que vemos o gancho com o passado, o qual vai se alongando até termos muitas surpresas.

Felizmente, o filme dirigido por Jason Reitman (que é mais conhecido por obras dramáticas) vai no caminho contrário de se manter preso ao passado, de modo que não adianta você ir esperando a trupe de velhinhos da década de 1980 em ação. Logo, a grande sacada aqui são as referências, mas não uma sequência direta (porque isso exigiria muitos efeitos computacionais).

Os Fantasmas se divertem

O grande trunfo de “Ghostbusters – Mais Além” não é seu elo com passado, mas sua trajetória única e inédita, que dá vez para à contemporaneidade, graças aos novos personagens que trazem humor pontual, personalidades atuais (com o uso de alguns exageros, é claro, mas ainda muito inventivos) e um ritmo bem acertado.

O roteiro de Jason Reitman e Gil Keinan transita num vai e vem, que revela a trama de forma inteligente. O importante é que o timing das piadas funciona e que elas não recaem sobre um único personagem, já que a história é contada de forma ampla, desenvolvendo diferentes frentes e nos levando a conhecer mais do universo dos fantasmas.

ghostbustersmaisalem03 63e6cImagem: Divulgação/Sony Pictures

Com a trilha clássica, mas a presença de novos hits, o filme é embalado num misto de antiguidade com novidade. Isso também fica claro na fotografia do filme, que tem um tom sépia reforçado, mas que inova ao fugir do cenário habitual da cidade e exagerar nos efeitos especiais fantasmagóricos.

Aliás, ponto para o time criativo, que apesar de usar alguns fantasmas clássicos (que com certeza ajudam a criar familiaridade com o universo da franquia), eles fizeram um bom trabalho em criar figuras caricatas. Algumas são esquisitas e talvez jamais serão usadas novamente, mas há uma inventividade.

Resumo da ópera: “Ghostbusters – Mais Além” é uma ótima pedida para assistir numa sessão de cinema ou mesmo para ver (e rever) em casa. Inteligente, respeitoso e bem humorado, o filme consegue unir passado e presente, bem como dar um respiro para o futuro da franquia. A questão que fica é: quem eles vão chamar para o próximo filme?

Crítica do filme Noite Passada em Soho | Londres chamando

Noite Passada em Soho é um paradoxo cinematográfico, sem sombra de dúvida é um ótimo filme, mas não empolga como os trabalhos anteriores de Edgar Wright. A incongruência é ainda maior se analisarmos a incrível habilidade técnica envolvida na construção visual, na cinematografia e na exploração dos gêneros e influências que aparecem salpicados ao longo de todo o filme.

Edgar Wright apresenta um filme inteligente e tecnicamente excepcional, porém, sem “alma”. Falando de um lugar totalmente subjetivo, sem qualquer suporte técnico, Noite Passada em Soho pode ser um dos melhores filmes da carreira do diretor, mas mesmo carregado de estilo e um roteiro original, parece que toda a construção se torna uma vítima da própria sedução imagética, em um conflito entre idealização e essênc

“Quem não gosta, gosta, quem gosta, curte”, Noite Passada em Soho é um bom filme, que deveria ser incrível. É fácil apreciar a produção mesmo que esta não cause o mesmo impacto que Em Ritmo de Fuga, todavia, o talento e potencial de Edgar Wright nos acostumou tão mal que agora sempre esperamos algo maior.

Eloise através do espelho

Eloise (Thomasin McKenzie) não se sente confortável entre seus colegas universitários na cosmopolita Londres. A garota “caipira” de olhos arregalados, apaixonada pelos “vibrantes anos 60”, apresenta alguma dificuldade em se adaptar ao ritmo acelerado da capital e ao estilo descolado das suas colegas de faculdade. Em busca de seu lugar na metrópole, Eloise abandona as “meninas malvadas” da república em que mora e se muda para um antigo apartamento no centro de Soho, em um quartinho administrado pela peculiar Sr.ª Collins (Diana Rigg).

Entretanto, nem todas luzes de neon são belas e pouco a pouco os segredos de Eloise e da Londres sessentistas começam a ser revelados em uma mistura onírica de deslumbre e paranoia. Entre sonhos e alucinações, a garota mergulha na vida da misteriosa Sandie (Anya Taylor-Joy), uma jovem aspirante a cantora cuja busca pela realização de seus sonhos na Londres dos anos 1960 espelha a vida de Ellie em mais de uma maneira.

noitepassada01 8b388

A transposição das vidas de Ellie e Sadie se traduzem estilisticamente pela mão cuidadosa de Edgar Wright, que usa e abusa de estilo, montagem e edição de som para construir um universo fantástico que mescla a realidade de maneira imperceptível por meio de uma canção ou um mero olhar no espelho. A construção visual, uma das assinaturas de Wright, encanta e faz você prestar a atenção a cada detalhe da cena em busca de novos elementos.

Enquanto isso, a dinâmica das protagonistas, Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy, alimenta ainda mais a força da história. McKenzie, que despontou em Jojo Rabbit (2019), de Taika Waititi, acerta em cheio ao ajustar sua performance de acordo com a jornada de Ellie, partindo de um jovem comedida até chegar ao patamar da mulher forte e obstinada. Do outro lado, Taylor-Joy, que cresce a cada papel desde a sua estreia em A Bruxa (2017), é magnética e atrai a atenção do espectador seja pela simples presença ou pela sua execução dramática de alto calibre.

noitepassada02 48f8d

Giallo pra inglês ver

Se a trilogia Cornetto de Edgard Wright homenageou e subverteu gêneros clássicos do cinema com humor e inteligência, Noite Passada no Soho faz o mesmo não apenas para a Londres sessentista, mas também para o cinema e música da época. Como de costume, Wright propõem um mise-en-scène que mescla habilmente música e cenário com uma e edição incomparavelmente fluída.

As luzes da cidade podem ofuscar, mas a transposição de sono e realidade se dá com uma montagem criativa que alimenta um roteiro suficientemente flexível para transitar entre diferentes gêneros. Com o fundo de um suspense sobrenatural, como as boas e velhas histórias de fantasmas, Noite Passada no Soho passa pela leveza dos romances adolescentes até chegar na sanguinolência de um slasher, sem se perder pelo caminho.

A composição visual artificializada mantêm o artifício da dualidade para além da história, deslocando elementos da fantasia e realidade, algo que funciona em alguns níveis dentro do que se torna uma mistura de nostalgia e neo-giallo, mesmo que sem o mesmo impacto de outras produções como Demônio de Neon (2016), ou o recente Censor (2021).

Noite Passada no Soho pode não ser excepcional, mas também não há nada que o confine ao abismo do trivial

O paradoxo de Noite Passada Em Soho volta a chamar a atenção ao observarmos como história eficiente ainda encontra espaço para tratar de temas inteligentes como a desconexão própria das grandes cidades e principalmente da representatividade feminina nesse subgênero que acaba recaindo na repressão e moralismo com pitadas de misoginia.

Dito isso, ainda é difícil apontar objetivamente o porque Noite Passada em Soho não deslancha. O  refinamento técnico e estético de Edgar Wright estão presentes ao longo de todo o filme, que entrega uma produção sólida, mesmo que um pouco repetitiva. Talvez a próprio conceito da obra que trabalha com o dualismo da ilusão dos sonhos e a dureza da realidade trabalhe contra “concretização” do filme que não parece alcançar todo seu potencial.

Critica do filme Os Eternos | Nada é eterno, mas algumas coisas permanecem

Depois de mais de uma década e 23 filmes, é fácil esquecer as origens do MCU. Apesar da Fase 1 do MCU estabelecer as bases do “estilo Marvel”, o tom das produções se desenvolveu em um arpejo crescente até a sua conclusão da "Saga do Infinito" em Vingadores: Ultimato. Entretanto, tudo começou com Homem de Ferro, Incrível Hulk, Thor, Homem de Ferro 2 e Capitão América: O Primeiro Vingador, filmes com estilos relativamente distintos e pouco parecidos com o frenético Guerra Infinita e o grandioso Ultimato.

Os Eternos não é só o primeiro capítulo da história deste grupo de super-heróis cósmicos, mas também faz parte do prefácio da nova saga que emerge no MCU. Chloé Zhao apresenta uma “história de origem” que funciona em vários níveis utilizando uma narrativa inteligente que desvia da ação desenfreada e investe no desenvolvimento de personagens por meio de uma grande aula de filosofia digna do professor Chidi Anagonye (do seriado The Good Place).

Guerra Infinita e Ultimato são o cume da primeira grande Saga da Marvel nos cinemas, enquanto Eternos é o sopé de uma nova montanha que se agiganta à frente dos fãs. Pensando assim, a escalada ainda é longa, mas o escopo de Os Eternos, sugere que o topo é ainda mais alto. Mesmo com alguns deslizes, e com um estilo próprio que o desloca dentro do MCU, Os Eternos é um filme sólido que apresenta um novo e interessante início do universo Marvel nos cinemas.

Quanto tempo dura o eterno?

Sem entrar nos detalhes da cosmogonia Marvel, basta dizer que os Celestiais são os seres mais antigos e poderosos de todo o universo. Em 5000 A.C., o Celestial Arishem envia para a Terra um grupo de dez seres superpoderosos chamados de Eternos com a missão de proteger a humanidade de  criaturas predatórias chamadas de Deviantes.

Sem poder interferir no desenvolvimento dos humanos, os Eternos seguem lutando contra os Deviantes até o dia em que estes estivessem totalmente erradicados e Arishem os convocasse de volta ao seu planeta natal. Milênios se passam e depois de várias “vidas” juntos o grupo começa a mostrar fissuras, questionando sua missão “divina”, a humanidade e seu papel não-intervencionista em um mundo que obviamente se beneficiaria de seus talentos.

eternos01 eb4da

Entretanto, com o reaparecimento dos Deviantes, os Eternos são forçados a se reunir e proteger a humanidade da antiga ameaça, apenas para descobrirem que muito mais está em jogo do que a erradicação dos Deviantes e o seu retorno para a casa. Sem revelar qualquer spoiler e entregar pontos importantes da trama, Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo e Matthew K. Firpo conseguem trabalhar com toda a grandiosidade da obra de Jack Kirby dentro do microcosmo de cada personagem.

A narrativa que aposta em flashbacks expositivos que contextualizam elementos do passado e presente, do relacionamento dos Eternos com os humanos e os Celestiais, o roteiro trabalha vários elementos em diferentes níveis a todo momento.  A história é muito bem amarrada, ao ponto de mostrar que, de fato, não há um vilão na história.

Brilho Eterno

Gemma Chan, Richard Madden, Kumail Nanjiani, Lia McHugh, Brian Tyree Henry, Lauren Ridloff, Barry Keoghan, Don Lee, Kit Harington, Salma Hayek e Angelina Jolie. Misturando nomes em ascensão e estrelas já consagradas de Hollywood, o elenco de Eternos acerta em praticamente todos pontos.

Angelina Jolie, mesmo em seu “piloto automático” se destaca sempre que aparece em cena na pele de guerreira Thena, enquanto Don Lee esbanja carisma como Gilgamesh, o mais forte dos Eternos e guardião de Thena. Kumail Nanjiani cumpre seu papel de alívio cômico com naturalidade,  deixando muito espaço para seus companheiros roubarem as risadas.

Vale destacar o esforço de Richard Madden, que mesmo limitado – algo evidenciado desde sua temporada em Game of Thrones – ainda entrega bons momentos e uma atuação sólida como Ikaris (o Super-Homem da Marvel) um personagem que precisa de muita flexibilidade emocional. Infelizmente o mesmo não pode ser dito de Gemma Chan, que oferece uma performance tão sutil que beira a monotonia, algo que não explora totalmente o arco de crescimento e superação de Sersi.

eternals02 43b60

De eterno e belo há apenas o sonho

A lista de acertos de Chloé Zhao no roteiro ena direção também passa pelo seu uso inteligente da câmera que mescla efeitos práticos e poucas intervenções digitais.  Mesmo com a renomada Industrial Light & Magic cuidado dos efeitos especiais, a diretora deixa o impacto visual emergir da construção da cena e não necessariamente do efeito em si, algo que confere ainda mais força para uma tradução mais fiel da identidade visual do rei Jack Kirby e a Era de Bronze das histórias em quadrinhos.

As cenas de luta, mesmo que espaçadas são bem coreografadas e utilizam as habilidades de cada um dos eternos, e certamente redefinem alguns conceitos dos “filmes de heróis”, especialmente na forma como representam os poderes de seres velocistas. Em outras palavras, chega de cenas em câmera lenta para mostrar que o personagem está se movendo mais rápido do que os outros.

Os Eternos não cobre toda cosmogonia Marvel, mas abre vários caminhos interessantes para o futuro do MCU.

Dentre muitos acertos e alguns erros, Eternos é sem dúvida um dos filmes de herói mais interessantes dos últimos anos. Vingadores: Ultimato finalizou um longo arco cuja memória inda é muito recente para o fãs. Com o “corpo ainda fresco”, essa Fase 4 do MCU precisará superar  a expectativa do público para criar gradativamente a mesma grandiosidade que levou uma década para ser construída, para quem entende o contexto deste momento, Eternos se mostra como um ótimo ponto de partida.