Crítica do filme Hebe Camargo – A Estrela do Brasil | Contra a censura!

Uma das mais famosas ex-apresentadoras do SBT, foi com certeza, Hebe Maria Monteiro de Camargo Ravagnani, que faleceu aos 83 anos, em 2012. Chegando aos cinemas nesse período politicamente sombrio em que vivemos, ”Hebe Camargo – A Estrela do Brasil” não é apenas mais uma biografia que conta a história de superação de uma brasileira.

O longa aborda um viés diferente, limitando-se a citar a infância da apresentadora em apenas uma frase, justificando sua predileção por aqueles que estavam passando dificuldade no Brasil dos anos 80. Aliás, muitas cenas pontuais servem apenas para detalhar algum aspecto da personalidade de Hebe, sendo pouco relevantes no contexto geral do filme. A regra de “mostre, não conte” é levada a risca, o que torna o ritmo do longa desgastante.

Dirigido por Maurício Farias e com roteiro de Carolina Kotscho,  “Hebe Camargo – A Estrela do Brasil” mostra a transição da ditadura para a democracia na década de 1980, com um recorte da vida da apresentadora durante seus programas nas emissoras Band e SBT.

Gracinha

Sem receios, o filme já começa num tom desafiador aos censores da ditadura, mostrando que Hebe não se acovardou e sempre falou o que pensava, mesmo sendo ameaçada constantemente. A famosa frase que está presente até mesmo no trailer “A Hebe não é de direita, a Hebe não é de esquerda. A Hebe é direta” resume totalmente o longa.

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Outro aspecto bastante valorizado é a Hebe que lutava a favor das minorias, defendendo ativamente os direitos e o respeito a comunidade LGBT, exigindo a participação de travestis e da icônica participação da modelo transexual Roberta Close, interpretada pela atriz (também trans) Renata Bastos.

O afeto que Hebe tem com seu amigo e cabeleireiro Carlucho (Ivo Müller), uma vítima da AIDS em um período em que a desinformação era predominante, também é abordado de forma pontual. A impressão é que o roteiro foi construído com diversos retalhos da vida de Hebe para que o espectador construa uma colcha da forma que preferir.

A Grande Família

Talvez as cenas da vida particular de Hebe sejam as que chamem mais atenção do público. A responsável por interpretar Hebe é Andrea Beltrão, e não é exagero dizer que ela encarna de corpo e alma o papel. Longe dos holofotes, Hebe sofria com as agressões, ciúme desproporcional e machismo de seu segundo marido, Lélio Ravagnani (Marco Ricco). Justificando suas atitudes com “eu faço isso porque te amo e não sei viver sem você”, adiciona o homem abusivo no bingo de coisas atuais que o filme busca retratar.

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Sua relação com o filho e o sobrinho também são abordadas. Seu amor por Marcelo (Caio Horowicz) é palpável, filho único fruto da relação com o primeiro marido, Décio Capuano (Gabriel Braga Nunes), apenas mais um pai ausente. E o sobrinho Claudio Pessutti (Danton Mello), sempre incentivando a tia Hebe a não se rebaixar e sonhar alto.

Outro aspecto pouco conhecido pelo público é o quanto Hebe bebia. Em quase todas as cenas fora do programa ela está bebendo ou pedindo uma bebida, inclusive sofrendo consequências como perda de memória devido a embriaguez.

Vale ressaltar que Andrea Beltrão fez um excelente trabalho ao personificar Hebe, emprestando seu talento para apresentar uma pessoa, sem tentar imitar seus trejeitos. Sempre extravagante, extrovertida e muito animada, sua caracterização é um dos pontos altos do longa. Inevitável notar o patrocínio das jóias Vivara, necessárias para retratar a riqueza de Hebe com fidelidade.

A gente volta já, já

Longe de ser um filme perfeito, seu discurso e temas pontuais são o que tornam “Hebe Camargo – A Estrela do Brasil” relevante nos dias de hoje. O espectador é transportado a um tempo passado, talvez tão bem reconstruído e interpretado que se sobrepõem ao momento atual.

Entretanto, o ritmo é lento, sem um desenvolvimento digno da personalidade e personagem retratada.  Sobretudo no segundo ato, lembra mais um seriado do que um longa, que por sinal acontecerá em Janeiro de 2020, na Globo, como um desdobramento desse filme.

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De qualquer maneira, vale a pena conferir a história de uma mulher que teve coragem de fazer seu trabalho da forma que quis, derrubando diversas barreiras e tornando-se uma personalidade que será sempre lembrada com carinho por todos os telespectadores que acompanharam seus programas.

Critica do filme Midsommar - O Mal Não Espera a Noite | Antropologia do medo

Ari Aster é sem sombra de dúvida um dos grandes nomes do cinema de terror contemporâneo. Seguindo a sua estreia avassaladora, o diretor de Hereditário entrega uma produção que solidifica seu talento e consolida seu estilo de direção e escrita. Em Midsommar – O Mal Não Espera a Noite o diretor desenvolve a mesma angustia presente em sua primeira obra, evocando terror mais com a história do que com sustos baratos.

Fugindo da obviedade, Aster constrói um filme competente que beira a etnoficção. Com uma câmera que se introduz no meio, sem fazer parte dele, o diretor apresenta antropologia visual com uma espécie de docuficção etnográfica escandinava. Com a mesma habilidade singular evidenciada em Hereditário, Ari Aster subverte os clichês do gênero e as expectativas do público, criando um filme difícil de classificar.

Midsommar – O Mal Não Espera a Noite exige um olhar crítico do espectador, algo difícil de encontrar na maioria dos filmes de terror, forçando interpretações que vão além das próprias imagens e diálogos apresentados, mas que explorem contextos socioantropológicos. Assim como Robert Eggers (A Bruxa), Jordan Peele (Corra), ou Ben Wheatley (Turistas), Ari Aster busca o desenvolvimento de um terror substancioso, que sacie o espectador por mais tempo do que alguns minutos, permanecendo com você para além da sessão.

Fãs do gênero vão apreciar as releituras propostas por Aster, enquanto os nãos iniciados ficaram investidos na construção do ambiente extremamente imersivo. Midsommar – O Mal Não Espera a Noite é sem sombra de dúvida um dos melhores do ano. Com uma história envolvente, um elenco excelente (destaque para Florence Pugh) e uma direção formidável, o filme reescreve o tradicional terror folclórico do passado de maneira artística e palatável para a geração contemporânea.

Festa junina

Dani (Florence Pugh) acaba de vivenciar uma terrível tragédia familiar e além de todo o trauma a garota ainda tenta manter vivo o relacionamento com seu namorado Christian (Jack Reynor). Em meio ao caos da vida de Dani, o casal é convidado pelos amigos de Christian para irem até a Suécia, e participarem das festividades do solstício de verão. Mas em vez de pular fogueiras e dançar quadrilha, as festas são muito mais próximas das celebrações pagãs que comemoram a chegada da nova estação.

Um dos artifícios mais inteligentes de Ari Aster ao longo de toda a narrativa de Midsommar é que ele não esconde nada do espectador, sabemos desde o início da película que nada está bem e que tudo vai piorar. Pouco a pouco o diretor introduz elementos que sugerem o que está para acontecer e mesmo assim seguimos a jornada totalmente investidos na história.

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Além disso, o diretor brinca com luz, cor e sons para mostrar que o medo não precisa se apoiar em nenhum desses elementos. Na terra do sol da meia-noite não há momentos de escuridão total, assim, o suposto mal acontece sob um céu ensolarado totalmente diferente do que se espera de um filme de terror sombrio.

Com um estilo que parece ter sido destilado diretamente do mestre Stanley Kubrick, Aster guia a câmera de maneira fluida e explora a ótima fotografia Pawel Pogorzelski para deixar claro que cada enquadramento é relevante para a história em si. Aster parece ter encontrado uma linguagem capaz de traduzir o terror tradicional para novas audiências.

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Inferno são os outros

Se Ari Aster merece ser celebrado pelo seu trabalho atrás das câmeras, o elenco principal de Midsommar também deve partilhar desses elogios. Will Poulter, Jack Reynor, William Jackson Harper e Vilhelm Blomgren tem seu momento de brilho na tela, mas sem sombra de dúvida é Florence Pugh a verdadeira estrelada película.

William Jackson Harper, mais famoso como Chidi Angonye da série The Good Place, está muito confortável na pele de um antropólogo imerso dentro do seu objeto de estudo. O mesmo acontece com o novato, Vilhelm Blomgren, que vive Pelle um dos anfitriões das festividades.

Enquanto isso, Florence Pugh entrega os momentos mais dramaticamente carregados do filme. Com uma grande presença ao longo da história Florence oferece um desempenho forte e imponente que a faz se destacar na tela sempre que está em cena.

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Quem vê de fora fala, quem tá por dentro vive...

Midsommar trabalha diferentes temas em diferentes níveis. A percepção de quem está de fora é diferente daquela de quem está inserido no meio. Ari Aster faz um ótimo trabalho navegando por esses assuntos sem abordalos diretamente. O proprio relacionamento de Dani e Christian — apresentado como problemático desde a primeira cena — é abordado de dois angulos diferentes, seja pela percepção de Dani e sua amiga ou por Christian e seus colegas. O diretor e roteirista do filme trabalha o tempo todo para que o espectar exercite a sua capacidade de ver os dois lados, seja em uma briga de casal ou na ritos culturais de um determinado grupo.

Apesar de realmente impressionante, nem tudo é acerto em Midsommar. O terceiro ato apesar de catárdico esconde alguns atropelos. A ideia original de Midsommar era a de ser um "slasher" com a pegada Ari Aster, e para todos os efeitos ele realmente executa essa tarefa com um releitura incrível do subgênero.

O absurdo de um é o costume do outro. Expor nossas diferenças e similaridades é o que faz Midsommar chocar tanto!

Aster esconde o seu slasher dentro de um terror folclórico (o folk horror à lá O Homem de Palha) e desenvolve a sua história de maneira muito inteligênte com algumas mortes sanguinolentas e até mesmo uma "final girl", mas tudo isso vem ao custo de algumas situações pouco plausíveis, que desconsideram muito do desenvolvimento dos personagens, que se veem agindo de maneira "idiota" apenas para se encaixar no tropo.

Mesmo assim, nada disso atrapalha a apreciação do filme. Midsommar reve elementos tradicionais do terror e apresenta a festa junina mais angustiante já vista — não se iluda amiguinho, tudo o que acontece em Midsommar é uma festa junina pré-cristã, com direito a fogueira, mastro de São João, simpatia para casar e roupa de caipira.

Crítica do filme IT 2 | Um Espetáculo de Terror!

Adaptações de livros para filmes são complicadas, mas muitos dos projetos baseados nas obras de Stephen King já mostraram que há como obter sucesso sem cair em clichês  — e isso vale até mesmo para remakes de um mesmo conto. A prova máxima são as duas versões de “IT - A Coisa”, que já teve versão para televisão e ganhou, mais recentemente, uma segunda chance através de uma superprodução para as telonas, a qual agradou gregos (os críticos) e troianos (o público em geral).

Nem parece, mas faz dois anos que tivemos o prazer de conhecer este novo olhar de IT, algo proporcionado tanto pela visão de novos profissionais quanto pelos efeitos visuais atuais que permitem transcender a simplicidade da versão antiga — o que na época tinha que ser compensado muito pela atuação. Bom, desde o fatídico dia da estreia da nova versão, nós já sabíamos que era só uma questão de tempo até a segunda parte da história ganhar forma e, de fato, chegar às telonas para apreciarmos.

Pois bem, o dia chegou, mas, com razão, muitos fãs podem ter dúvidas se a “IT: Capítulo 2” consegue dar continuidade de forma coerente ao antecessor, ousa em apresentar novidades — ainda mais no comparativo com “IT - Uma Obra do Medo” —, agrega mais ao universo cinematográfico de Pennywise e, por fim, consegue evitar os clichês e seguir numa linha de ineditismo. As perguntas são muitas e nem todas as respostas podem ser dadas, mas vou ser o mais sincero e abrangente sobre todos os tópicos.

Para quem caiu de paraquedas aqui e não sabia da existência desta segunda parte, vamos a uma breve sinopse. Depois de 27 anos dos acontecimentos de “IT - A Coisa”, o Clube dos Otários retorna a Derry, à pedido de Mike Hanlon, para destruir de uma vez por todas a criatura Pennywise, que está fazendo novas vítimas na cidade. Traumatizados pelas experiências do passado e também pelos rumos de suas vidas, eles devem dominar seus medos mais profundos e enfrentar o palhaço, que está ainda mais perigoso.

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Respondendo as dúvidas de quem quer evitar todo e qualquer detalhamento sobre o filme (ainda que não tenha spoilers por aqui), eu acho que vale já mencionar logo de cara que “IT 2” consegue entregar a qualidade de terror e uma trama com minúcias que todos esperávamos. Temos aqui um filme que segue uma trilha similar à de “IT - Uma Obra do Medo” (no sentido de ter atos muito similares), mas que inova por ir além e fazer bonito num final que realmente fecha com chave de ouro.

Reinventando o Terror

Ok, já sabemos que Pennywise é escabroso e que ele tem seus meios para aterrorizar suas vítimas, porém no primeiro filme nós estávamos lidando com protagonistas em uma fase bem inocente, o que facilitava bastante as coisas para o script. Já em “IT: Capítulo Dois”, o roteirista Gary Dauberman tem a difícil tarefa de lidar com personagens maduros (que já podem estar mais preparados para lidar com situações de medo) e de ainda — se não superar em questões de desenvolvimento —, ao menos, inovar no desenrolar da trama, já que estamos falando de um remake.

Outro desafio era a questão da atualização em “IT: Capítulo 2”. Enquanto o longa-metragem de 1990 não precisava lidar com tecnologias, esta nova versão tem a missão de manter a tensão ao mesmo tempo em que dribla alguns mecanismos inovadores. E é algo natural da plateia indagar porque os personagens não usam celulares, não chamam a polícia, não usam armas ou não apelam para outros tantos recursos que podem facilitar o combate ao vilão.

A dúvida que fica é: afinal, o que é necessário para criar um remake? Apenas refazer de uma forma levemente diferente é suficiente? Alongar uma história já muito detalhada pode criar essa sensação de satisfação para um público exigente? Bom, a aposta de Dauberman é sim espichar ao máximo o conto, mas ele não faz isso sem propósito. Assim, se você ainda não tinha visto na ficha do filme, saber que o filme tem quase três horas de duração pode ser um choque, porém tudo passa muito rápido e o filme é recompensador!

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Bom, justamente por mostrar os integrantes do Clube dos Otários num futuro distante, há muito o que contar, ainda mais que eles estão em situações totalmente diferentes. Toda a parte de reunião dos personagens leva um certo tempo, mas o texto de Dauberman faz isso de forma inteligente, ao mesclar cenas dos protagonistas e situações da cidade de Derry. Isso ajuda a reconstruir a memória dos protagonistas (ainda mais para quem viu o filme há dois anos) e vai ampliando a sensação de horror ao trazer cenas inventivas com Pennywise.

É nessa mescla de diferentes personagens, ocasiões e também tempos que o “IT 2” cria uma composição muito inteligente. Aos poucos, nossos protagonistas são devidamente reapresentados e aí temos uma brilhante solução de aproveitar cenas inéditas do passado para criar uma história ainda mais rica em detalhes — o que é simplesmente maravilhoso para os fãs da obra. Então, eis aqui o primeiro ponto importante para você que ainda não viu: esteja preparado para um verdadeiro LONGA-metragem e ainda mais preparado para uma overdose de terror.

O Circo dos Horrores ganha uma nova dimensão

O desenrolar dos fatos era provavelmente o aspecto mais importante para este novo capítulo conquistar o público, contudo é evidente que uma direção impecável e um elenco competente fossem o suporte para essa história ganhar vida com ousadia. Bom, o diretor Andy Muschietti retorna aqui e faz um trabalho caprichado, que puxa várias ideias que já vimos na primeira parte — uma vez que temos alguns cenários repetidos —, porém que se apresenta ainda mais ousado em algumas sequências.

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Alguns teasers que a Warner liberou previamente já dão algumas pistas, em que vemos Pennywise atuando mais, assustando em situações críticas e se escondendo nos lugares improváveis. É justamente por essas novas ideias que “IT: Capítulo Dois” supera seu antecessor e este se mostra um trunfo importantíssimo para convencer a plateia, afinal temos o mesmo vilão, então ele precisava ser mais imponente para nos impressionar e causar impacto em suas vítimas.

A trupe em sua nova composição tem nomes como James McAvoy, Jessica Chastain, Isaiah Mustafa, Bill Hader, James Ransone, Jay Ryan e Andy Bean. Alguns desses já são bem conhecidos do público e é evidente que um dos destaques fica para McAvoy que interpreta Bill Denbrough (que já era o principal no primeiro filme). A escolha do ator para o papel foi bem ponderada, uma vez que ele usa de toda sua versatilidade — que já vimos em “Fragmentado” — para dar vida ao personagem que retorna com seus momentos de medo e de reflexão sobre tudo que aconteceu.

É válido puxar outro tópico aqui: a diversidade dos personagens. Isso é muito bem introduzido por vários deles, mas é Beverly Marsh, revivida por Jessica Chastain, que nos faz ter uma dimensão do qual trágico é o circo da vida. O roteiro de “IT: Capítulo Dois” traz questões atuais sobre a única personagem feminina, incluindo as dificuldades de sua vida pessoal antes de chegar em Derry, bem como sua importância na trama por ter muita relevância no primeiro título. A atriz é uma das que mais tem tempo em tela, mas isso não é problema algum para Chastain, que é versátil em todos os seus diálogos. Ok, alguns clichês, mas todos muito justificados.

Os demais atores também têm seus respectivos méritos e o filme faz questão de separar um bom tanto de cenas para cada um, motivo pelo qual o filme ficou tão longo. Felizmente, todos esses pequenos trechos somados não apenas trazem o que já havíamos visto em “IT - Uma Obra do Medo”, mas são aproveitados para mostrar muita coisa nova, incluindo novas áreas da cidade e algumas explicações bem interessantes que enriquecem a mitologia de Pennywise.

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Por fim e talvez algo ainda mais importante do que tudo que já foi mencionado, vale enaltecer a performance insana de Bill Skarsgård. Se no primeiro capítulo tínhamos um palhaço mais tímido (também por conta do script), agora temos inúmeras cenas em que o personagem é muito bem desenvolvido, o que resulta em mais tempo de tela para o ator. Sim, as cenas com computação gráfica ainda predominam, mas há uma participação muito maior do ator, que capricha em seus olhares sinistros e até mesmo na interpretação ímpar, que nos deixa cara a cara com o palhaço em seu estado mais íntimo e terrível.

É claro, o resultado amedrontador de “IT 2” se dá pela somatório de todos esses aspectos, mas se amplia pela adição de uma fotografia genial e ainda a maestria de uma trilha sonora que mescla nostalgia, horror e cantorias desgraçadamente bizarras. E, no fim, a gente tem não apenas uma ótima continuação e desfeche para “IT - A Coisa”, como também um longa-metragem que pode ser considerado — se não o melhor — um dos melhores títulos de terror do ano! Uma experiência incrível no cinema e para marcar época!

Crítica do filme A Rebelião | Não perca seu tempo

Ultimamente, quando a gente fala em “conteúdos originais” dos serviços de streaming — seja da Netflix ou da Amazon Prime Video —, pintam inúmeras dúvidas que nos deixam pensando se vale ou não investir nosso tempo em uma aventura que pode ser incrível ou apenas mais do mesmo (isso sem falar quando a gente passa raiva mesmo com uma produção feita na base do ódio).

O ponto é que, muitas vezes, várias desses materiais exclusivos nem são de estúdios próprios dessas empresas, mas apenas títulos produzidos por terceiros, que a Netflix ou a Amazon se aproveitam dos direitos baratos para inflar seus catálogos. Assim, muitas vezes precisamos do apoio do trailer ou mesmo de um elenco de peso para nos convencer de que vamos ver algo que vale a pena.

No caso de “A Rebelião”, temos um pacote completo: filme sobre invasão alienígena, título exclusivo da Prime Video, produzido por empresas conhecidas, um diretor famoso (Rupert Wyatt, de “Planeta dos Macacos: A Origem”) e um elenco que inclui nomes como John Goodman, Vera Farmiga e Ashton Sanders. Com tudo isso, não tem como dar errado, certo? Errado!

O ponto principal para “A Rebelião” ter saído bem às avessas foi o roteiro totalmente desleixado e confuso. Aqui, acompanhamos a história em um bairro de Chicago, quase uma década após uma invasão alienígena no planeta Terra, vendo como as coisas funcionam nos dois lados do conflito: o dos colaboradores (que são amigos dos aliens, principalmente a polícia e os políticos) e o dos dissidentes (com toda a população pobre).

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Ok, a coisa já começa confusa com essa sinopse, mas pode ter certeza que degringola ainda mais no andar da espaçonave. Para não ser injusto, os primeiros minutos da película — que precedem o título e os créditos iniciais — são até bem interessantes, já mostrando um pouco dos seres extraterrestres. Só que as coisas boas param aqui. O restante do filme é uma esculhambação sem limites.

Aliens poderosos, mas preguiçosos

Bom, a pauta dos aliens dominando o planeta Terra não é nova e já se provou complexa o suficiente para desenrolar histórias sobre apartheid e o conflito entre raças bem distintas da humana ¬– temos aí “Distrito 9” que não me deixa mentir. Todavia, tal qual qualquer tema, é preciso um roteiro capaz de criar subtópicos que nos prendam a atenção, seja por aspectos fictícios da própria história ou pela empatia que podemos criar pelos personagens.

Acontece que o script de “A Rebelião” não faz questão de detalhar absolutamente nada. O filme joga a invasão na tela num começo bem empolgante, mas, depois, simplesmente não temos continuidade dos fatos, de modo que as poucas informações são dadas num clipe bem desconexo do restante, o qual está ali simplesmente para passar os créditos iniciais (esses que, por sinal, tomam vários minutos de tela).

O restante do filme esconde bastante os aliens, isso porque, aparentemente, os invasores já cansaram de dominar o planeta Terra e fazer o trabalho pesado, tanto que agora eles têm amiguinhos no governo para “manter a paz” por aqui — seja lá o que isso quer dizer. Assim, o filme deixa o espectador totalmente perdido sobre como funciona essa comunicação, tampouco faz questão de detalhar o porquê de excluir algumas pessoas.

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Quer dizer, o motivo para exclusão social é bastante óbvio, mas ainda sim um roteiro digno de tamanho elenco deveria se pronunciar para conversar com a plateia e revelar os pormenores da história. Não, ao contrário disso, temos protagonistas que precisam soltar suas falas, ainda que não tenhamos um histórico para os diálogos ou mesmo para suas motivações dentro da trama. Sério, uma bagunça total, que exige muita concentração e suposições.

Aos poucos até conseguimos pescar algumas coisas, mas há tantos personagens e diversos acontecimentos, que fica complicado conectar os nomes e entender pra onde a história vai. No decorrer do script, até temos alguns eventuais momentos de tensão, mas a falta de ligação a um contexto maior faz com que nada importe, até chegar ao fatídico fim em que a gente só perdeu duas horas de vida num filme sem propósito – e a rebelião do título nem fez sentido.

O desleixo bateu forte!

Bom, ok, o roteiro é desastroso, mas a minha principal dúvida é: por que levar as coisas no relaxo também na hora de pensar a parte de produção do filme? Talvez por uma questão econômica, os produtores optaram por ocultar os alienígenas o máximo de tempo possível, de forma que as poucas aparições não conseguem salvar o restante da película que se torna bem cansativa.

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O design dos inimigos é bastante interessante, mas conceder às criaturas o poder de invisibilidade chegar a beirar o ridículo, pois isso aparenta muito ser apenas um recurso para não precisar de muitos efeitos visuais. Assim, muita da tensão se dá pela trilha sonora, que se completa quando as criaturas aparecem de fato, porém é inegável que a gente fica esperando muito mais de um filme que claramente quer focar na invasão dos extraterrestres.

A produção demonstra um mínimo empenho nos cenários, que lembram qualquer ambiente de guerra e apocalipse, mas isso se deve em parte por termos protagonistas da periferia. Apesar desse acerto, o filme erra feio nos veículos dos aliens, que são simplesmente ridículos para um título lançado em 2019. Não é possível que eles tenham optado por uma opção tão simples, ainda mais com tantas referências de outros filmes do gênero.

Talvez a ideia dos roteiristas até fosse boa, mas eles não souberam se expressar. No fim, o “A Rebelião” desperdiça potencial de grandes atores (como John Goodman e Vera Farmiga, que se esforçam inutilmente) e não vai a lugar algum. Talvez, a única conclusão interessante seja a percepção da ambição humana, que, mesmo num cenário desse tipo, continua prevalecendo sobre a compaixão. No mais, “A Rebelião” não vale o seu tempo!

Crítica do filme Turma da Mônica: Laços | Simples e necessário

É muito difícil encontrar alguém que não teve contato com a Turma da Mônica em algum momento de sua vida. Cresci colecionando quadrinhos e aguardava ansiosamente pelas novas edições mensais, sempre com histórias divertidas e até educativas. A variedade das situações absurdas em que os personagens eram inseridos sempre eram uma surpresa agradável.

Como parte das comemorações de 50 anos a Mauricio de Sousa Produções criou a Graphic MSP, um projeto que consiste em histórias dos personagens do estúdio feitas por artistas brasileiros consagrados e com estilos diferentes do padrão das revistas mensais. Essa proposta trouxe nova vida às histórias, além de cativar um público mais amplo.

“Turma da Mônica: Laços” é o filme que foi baseado no romance gráfico homônimo, por Vitor e Lu Cafaggi. A história é simples em essência, assim como os quadrinhos originais, mas carrega lições e conceitos capazes de cativar todas as idades.

Mais um plano infalível

Floquinho, o peludo cachorro verde de Cebolinha, desapareceu. Para encontrá-lo, ele cria um de seus planos infalíveis, mas que só pode funcionar com a ajuda de seus amigos Mônica, Magali e Cascão. Juntos, eles enfrentam desafios e vivem grandes aventuras para encontrar e levar Floquinho de volta para casa. O diretor Daniel Rezende e o roteirista Thiago Dottori foram responsáveis pela tarefa nada singela de adaptar uma obra tão importante para um público tão diversificado.

Felizmente eles completaram a tarefa com sucesso, transmitindo a simplicidade da história sem torná-la raza, ao contrário, há muito profundidade e beleza. Os “Laços” estão nas entrelinhas e em cada peculiaridade dos personagens e na riqueza de experiências que apenas a infância pode proporcionar.

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Não há muita novidade para quem já conhece a Turma: Cebolinha (Kevin Vechiatto), sempre tem um “plano infalível”, considera-se um gênio e é bastante arrogante, mesmo sendo o primeiro a apanhar de Mônica (Giulia Benitte), que não hesita em perder a paciência e distribuir coelhadas com o Sansão.

Cascão (Gabriel Moreira), com sua fobia a água e cúmplice dos planos de Cebolinha, Magali (Laura Rauseo), sempre faminta e capaz de comer quantias absurdas de qualquer alimento. O filme é bem fiel a história em quadrinhos “Laços” e consegue desenvolver a trama de forma um pouco mais elaborada, o que faz todo sentido nessa troca de mídias. 

Um bom exemplo dessa implementação é a excelente trilha sonora de Fabio Góes. Combinando movimento à música, Góes sabe sincronizar o que é visto em cena com os efeitos sonoros, uma técnica bem tradicional mas que adiciona uma camada a mais de profundidade a narrativa. Destaque para a excelente cena do Louco (Rodrigo Santoro), uma adição genial a história original e sem dúvidas o ponto alto do filme.

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É curioso notar que apesar da referência à turma sempre ser “da Mônica” (um dos debates constantes durante o filme) o protagonismo é declaradamente do Cebolinha. Essa abordagem foi acertada pela temática da trama sem deixar de lado o respeito ao material original. A sintonia de toda a equipe transparece nesses detalhes e tornam a produção ainda mais completa, sem nunca esquecer que é uma história feita para crianças.

Para crianças, mas não infantil

Por sinal, é difícil não se apaixonar pelas crianças instantaneamente. Mesmo inseridas em um mundo claramente fictício, toda a atmosfera e atuações são bastante naturais. O bairro do Limoeiro tem um clima de cidade do interior, com crianças correndo pelas ruas e o sol sempre brilhando. É fácil achar que vai ser apenas mais um filme com crianças chatas, mas essa é uma surpresa bastante agradável, chatos são os adultos (quem é Paulo Vilhena?).

Mesmo não tendo tanto destaque na trama, é absurdo o carisma de Laura Rauseo (a Magali), enquanto Giulia Benitte (a Mônica) transita entre uma garotinha meiga e uma furiosa guerreira brandindo seu coelho de pelúcia como arma. Até temas como a descoberta de paixões e a solidão são abordados, sem parecer forçado ou expositivo.

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Diversos personagens secundários fazem pequenas aparições, servindo mais como easter eggs que possivelmente vão aparecer em produções futuras. Uma continuação de “Laços”, intitulada ”Lições”, já está sendo produzida e podemos esperar que outras publicações de Maurício de Souza sejam adaptadas, como “Turma da Mônica Jovem”.

Por mais simples que “Laços” pareça, a lembrança de que esses personagens fizeram (e continuam fazendo) parte da infância de muita gente é o que transpira na tela. Os laços são mais do que fitas amarradas durante o caminho, são todas as situações e sentimentos que compartilhamos, mesmo sem nunca termos tempo para pensar a respeito disso. Eis uma boa oportunidade para assistir um conteúdo nacional de qualidade junto com as crianças e refletir sobre isso tudo.

Crítica do filme Brinquedo Assassino | Atualizado no humor, mas pouco no terror

O tempo passa e lá se foram mais de 30 anos desde o lançamento do primeiro filme da franquia Brinquedo Assassino. Apesar de absurda, a história do boneco amaldiçoado ganhou um público considerável — talvez pela galhofa excessiva, pelo tom ácido do brinquedo ou mesmo pela abundância de sangue na telona. Fato é que desde 1988, o personagem Chucky já passou por sete aventuras, mas parece que ainda não era suficiente, por isso agora temos mais uma jornada para o pequeno amaldiçoado.

Curiosamente, em todo esse tempo, não tivemos um remake propriamente dito do filme de origem. Até agora, as novas peripécias de Chucky foram continuações absurdas do primeiro filme — com desdobramentos que incluem uma noiva e um filho — e uma história de reboot em 2013 (que leva o nome de “A Maldição de Chucky”), que apresentou novos protagonistas e deu abertura até para uma sequência intitulada “O Culto de Chucky”. O oitavo episódio,  contudo, volta às origens, daí o mesmo nome do original.

A história é similar à do filme de 1988, mas para a geração que não teve oportunidade ou coragem de ver o antigo vale a sinopse. Em “Brinquedo Assassino”, Karen (Aubrey Plaza) presenteia seu filho, Andy (Gabriel Bateman), com o boneco mais aguardado dos últimos tempos: Buddi. Todo conectado ao sistema digital da Kaslan, o brinquedo é um assistente pessoal e também um amigo para a garotada. No entanto, a unidade que Andy ganhou parece ter vontade própria e começa a aprontar poucas e boas!

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Atualizado na trama, no visual e no tom cômico, o novo “Brinquedo Assassino” promete ser uma opção de terror divertida (vulgo Terrir). E apesar de inconsistências de roteiro — o que a gente já espera num título desse naipe — e do design de personagem no relaxo, o remake do original não é de todo ruim, sendo uma nova pegada que arranca boas gargalhadas e consegue até criar alguns momentos de tensão. Nada excepcional, mas dentro do esperado.

Hacker aqui!

A mudança de uma possessão maligna (que era a pegada do filme antigo) para uma divergência em software é algo que vem a calhar para uma época em que vemos empresas apostando forte em dispositivos interconectados. E apesar de uma rebelião das máquinas não ser novidade em Hollywood, é  interessante notar que esse não é bem o caso aqui, já que só temos um único exemplar com características excepcionais, o que é até explicado antes da trama principal — e depois eu volto nesse ponto.

É graças ao argumento dos dispositivos conectados que o filme funciona muito melhor, já que o Chucky não precisa apenas sair correndo com uma faca na mão para aterrorizar suas vítimas — o que, vamos combinar, que é algo meio ridículo. Assim, para não deixar o brinquedo ser motivo de chacota, o roteiro usa da gama de produtos da fabricante do brinquedo para dar novos poderes ao boneco e também para desenvolver novas cenas de terror.

Agora, Chucky ganha poderes ainda mais excepcionais, porque ele consegue hackear os dispositivos. Ele filma tudo, grava áudios, interpreta as vontades do seu dono (geralmente de forma errada), comanda os dispositivos da casa e quando quer até banca uma de hacker para zoar legal na era digital. Nesse sentido, zero reclamações do filme. E, felizmente, o filme não tenta debater esses perigos, tampouco tenta entrar em pormenores de como funciona essas tecnologias.

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Outro ponto positivo desse Chucky conectado é a brecha que há para uma pegada mais bem humorada. O boneco repete falas (até de forma errada, o que garante mais risadas), canta musiquinhas, faz piadas e, claro, fala muito palavrão. Então, não é por não ter uma alma demoníaca que ele perde sua essência. Muito pelo contrário, a ideia de um software sem amarras garante que ele continue besteirento e ousado na hora de fazer as vontades do menino Andy. Uma boa sacada pra deixar o filme engraçado!

Mão de obra barata

Se por um lado o novo “Brinquedo Assassino” acerta na pegada tecnológica, ele erra feio — mas talvez propositalmente — no design do personagem. O novo boneco tem uma aparência tosca e que parece bem mal feita, nos piores moldes de fabricantes que fazem produtos piratas. Isso dificulta acreditar que qualquer criança gostaria de ter esse brinquedo em casa e, para falar a verdade, até mesmo o Chucky de 1988 era mais convincente do que esse recente.

E poderia ser um problema de orçamento do filme, mas não parece ser o caso, porque eles contrataram até um Jedi pra dublar o  Chucky (que tem a voz de Luke, o Mark Hamill). Eu imagino que seja algo proposital ter feito o boneco desse jeito, pois assim eles conseguem encaixar com a ideia de ser um boneco feito no Vietnã (o que pode ser até o mote do filme) e em condições precárias. Além disso, o boneco desenhado com preguiça arranca mais algumas risadas do público.

O problema do boneco mais tosco é que simplesmente a parte de terror não cola tanto em meio à tanto humor. As cenas de matança ficam quase perdidas em meio a tanta galhofa. Uma ou outra até conseguem prender a atenção e algumas são legais pela composição (com o boneco arrastando uma faca no chão em um cenário que tem uma fotografia muito bem pensada). Contudo, o resultado geral é de um terror mais light, ainda com cenas de close nas facadas e pouca novidade.

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Vale menção para a vibe Stranger Thingers do filme, que tenta criar uma turminha descolada que ajuda o protagonista. O grupinho salva a trama em vários partes. A atuação da garotada merece destaque, principalmente o jovem Gabriel Bateman, que interpreta o Andy, um menino com limitações auditivas e que tem uma mãe um tanto relapsa. Ponto também para Brian Tyree Henry, que interpreta o detetive Mike Norris — personagem que já existia no filme antigo —, o qual cria a terceira ponta do filme (a investigação dos casos) de forma divertida.

Eu não diria que o novo “Brinquedo Assassino” é um remake que faça a gente reconsiderar a validade dos tantos filmes que estão sendo refeitos, mas ao menos ele traz uma dose de inovação. O ritmo aqui não é dos melhores e parece que a gente passa uma eternidade no cinema. Além disso, a dubiedade entre humor e terror pode não ser tão certeira, então eu acho que seria bom eles pararem por aqui, enquanto ainda estão ganhando. Mas a maldição das franquias pode pegar o Chucky novamente...